João "Canalha" comemora sucesso na ESPN, mas preferia ter sido goleiro ou professor
UOL Esporte
05/04/2013 06h00
Crédito da imagem: Francisco De Laurentiis/UOL
Francisco De Laurentiis
Do UOL, em São Paulo
Em uma padaria perto da ESPN Brasil, o apresentador João Carlos Albuquerque concede entrevista ao UOL Esporte. Enquanto fala, um motorista começa a buzinar insistentemente na avenida ao lado, reclamando do congestionamento. João interrompe sua fala e grita: "Parabéns, babaca!". Depois, respira fundo e completa, para o repórter: "Não dá vontade de mandar tomar no c*?".
A situação ilustra bem quem é João Carlos Albuquerque Veronese, o João "Canalha", como é conhecido pelos "fãs de esporte" da ESPN. Aos 57 anos, é um homem sério, que gosta de conversar e discutir, mas que, às vezes, tem arroubos de loucura.
Foram esses momentos de "descontrole", porém, que ajudaram o programa "Bate Bola", que João Carlos comanda, a se tornar a maior audiência da TV fechada no horário do almoço. Com seu estilo desbocado, o apresentador conquistou uma legião de fãs, inclusive no Twitter, rede social à qual aderiu no final do ano passado.
"Acho que, meio sem querer, criei esse estilo descontraído de apresentar. Acho muito difícil fazer graça, querer ser engraçado o tempo todo, enjoa. Consegui mesclar um pouco de descontração e seriedade, umas brincadeiras fora de hora. Às vezes até eu acho engraçado umas loucuras que falo, nem se de onde surgem", conta João, lembrando-se de um dos vários "causos" que marcaram sua longa carreira na mídia.
"Uma vez estava no ar com o [repórter] Cícero Melo e o (José) Trajano, durante o 'Pontapé Inicial', e o Cícero estava dando um boletim da seleção brasileira direto do Rio de Janeiro, na frente do hotel, não lembro em qual praia. Aí passou uma mulher de biquíni atrás dele com um cachorrinho. Não resisti e falei: 'Cícero, pede o telefone do cachorrinho ali atrás'. O Trajano quase caiu da cadeira", relata, aos risos.
Apresentador do "Bate Bola" desde o início dos anos 2000, entre idas e vindas, João Carlos diz que "não faz palhaçada" durante o programa. Ele se considera um "meio termo" entre apresentadores tradicionais e "malucos".
"Não faço graça, palhaçada, é sempre uma coisa espontânea. Acho que, nesse sentido, sou meio fora do padrão. Sou o meio termo entre apresentadores de TV e apresentadores malucos, tipo os da MTV", brinca, enquanto é cumprimentado por um fã que foi à mesa para dar um aperto de mão e chamá-lo de "canalha".
Origem do "canalha" e amizade com Jô Soares
Nascido em Brotas, no interior de São Paulo, João Carlos morou em várias cidades e está na imprensa desde que tinha 16 anos, quando largou o sonho de ser goleiro e resolveu que queria trabalhar em rádio. Sem papas na língua, saiu pedindo emprego nas estações de Santos, onde estava morando. Na Rádio Universal lhe deram seu primeiro gravador, e ele passou a frequentar os treinos e jogos do Santos de Pelé.
Daí em diante, teve início uma carreira que passou por diversas rádios e TVs. João cobriu de Jogos Universitários a Copa do Mundo, viajando para os quatro cantos do planeta. Em certa época, largou o esporte e virou âncora de jornal no SBT e na Record, ficando conhecido como Clark Kent (alter-ego do Super Homem) pelos óculos iguais ao do personagem dos quadrinhos. Também ingressou na PUC para fazer direito, mas largou o curso no segundo ano e nunca mais retormou.
Desse tempo, ficaram grandes recordações, como esta, nos anos 70: "Uma vez estava no Pacaembu como repórter em um Santos x Flamengo. No segundo tempo, o narrador anuncia: 'Substituição no Flamengo, os detalhes com o João Carlos Corisco', que é como eu era conhecido. Aí falei: 'Vai entrar no Flamengo um garoto que está sendo preparado nas categorias de base e que é considerado um craque. A diretoria coloca muita esperança nesse menino que é conhecido como Zico", lembrou.
Com uma cópia dessa fita, foi contratado na Rádio Novo Mundo, de São Paulo, pela qual cobriu o Mundial de 1978, na Argentina, como repórter e comentarista. Na imprensa, trabalhou com vários outros nomes conhecidos, como o narrador Luís Roberto, da Globo (com quem viu até show de Elton John em Paris), e a apresentadora Sílvia Poppovic, para citar apenas dois.
A entrada na ESPN aconteceu em 1995, para apresentar o extinto programa "Limite", que tratava de automobilismo. João vivia fase em que não parava em nenhum emprego, já que não gostava de morar em São Paulo e vivia fugindo da cidade. Em uma de suas "fugas", conheceu sua mulher, Silvia, uma turista italiana que passeava pelo Pantanal. Casaram e foram morar no interior, onde Silvia ficou grávida. João passou a improvisar para ganhar dinheiro: tocou em bares e deu aula de espanhol e filosofia da quinta série ao terceiro colegial em uma escola de Brotas.
Uma hora, porém, a situação apertou, e João Carlos não teve como recusar o convite de José Trajano para trabalhar como apresentador da recém-fundada ESPN Brasil: "Ele ofereceu dez vezes o que eu ganhava em Brotas". O sucesso foi imediato. Com seu estilo bem-humorado, narrou mais de 30 modalidades e passou a apresentar o "Bate Bola" ao lado de Soninha. Foi um estouro.
Em 2000, porém, o "banzo" o atingiu novamente e o apresentador deixou a emissora, partindo para o interior. Desse tempo, não gosta nem de lembrar: "Comecei a perder cada vez mais o contato com a família, fiquei pirado e saí em 2000. Eu ia pra Sidney fazer as Olimpíadas, mas falei que não queria mais ficar mais um mês longe, com uma mulher italiana morando em Brotas, sem nenhum parente, com filha de dois anos e eu ausente. Saí da ESPN e foi um negócio meio traumático… F*, viu…", conta.
Em 2005, contudo, o bom filho à casa tornou, e lá continua até hoje. No comando do "Bate Bola – 1ª Edição" de segunda a sexta (e às vezes aos domingos), João Carlos tornou o programa um sucesso, principalmente devido à interação com os internautas que participam via Twitter ou site. Sua principal saudação acabou virando um entusiasmado "canalha!", maneira pela qual passou a ser conhecido pelos fãs.
João Carlos, porém, diz não lembrar quando criou o bordão: "Deve ter saído pela primeira vez enquanto eu falava de algum desses políticos canalhas, de um 'bando de canalhas', metendo o pau nesses arroubos que eu tenho de vez em quando. Às vezes sinto vontade de xingar, mas no ar não posso, então o 'canalha' meio que supriu essa necessidade. Deve ter sido por volta de 2006, algo assim", diz. "Mas não chega a ser um xingamento".
O fato é que a "palavra mágica" o levou a conhecer aquele que hoje é um de seus bons amigos: o apresentador Jô Soares, da TV Globo: "Uma vez chamei o Jô de 'canalha' durante um programa e ele me ligou. Atendi e ele falou 'como assim você fica me xingando no ar?'. Nem sabia quem estava falando. Quando ele disse quem era, perguntei se ele via o 'Bate Bola' todo dia, e ele disse que sim. 'Então você deve saber que chamo todo mundo de canalha', falei. 'Eu sei, mas um monte de gente não sabe e, no meu dicionário, 'canalha' é palavrão. Acabei me retratando e resolvemos tudo. Acabamos ficando super amigos". No ano passado, inclusive, Jô apareceu de surpresa em um "Bate Bola" e comentou esportes ao lado de João Carlos.
Assédio dos fãs
O sucesso do "Bate Bola" fez João Carlos ficar famoso. Nas ruas, recebe pedidos de autógrafos e tira fotos com admiradores. Em seu Twitter (@JCACanalha, criado no ar pelo companheiro de programa Mauro Cézar), ganhou 20 mil seguidores em poucos meses. Apesar de se dizer cansado de trabalhar em São Paulo e com vontade de voltar de vez para o interior para ficar perto das duas filhas adolescentes e da mulher (a quem só vê nos fins de semana), o apresentador se mostra feliz com o sucesso.
"De uns tempos pra cá, a audiência do 'Bate Bola' cresceu muito. É o programa de maior audiência no horário nas TVs fechadas, então isso criou até um assédio em cima de mim. O pessoal me para na rua e pergunta 'e o Santos? E o Palmeiras?'. Todo mundo quer conversar e também dar seu pitaco", relata.
João Carlos entrega prêmio ao ex-meia Pita, quando trabalhou na Rádio Capital (foto: Arquivo Pessoal)
"Eu, felizmente, encontro pessoas muito legais por aí que assistem ao programa e dizem 'pô, que legal te conhecer, lá em casa todo mundo é fã do seu programa, damos risada com você'. Tiro muita foto! (risos)", completa.
Fã da interação com os telespectadores desde que começou a apresentar o programa, ainda nos anos 90 e quando a internet engatinhava, João diz, no entanto, que o assédio também tem seu lado ruim – e bastante inconveniente.
"Outro dia estava comendo uma empada em um posto, enquanto ia para São Carlos, e de repente comecei a ganhar uma massagem nas costas. Olhei e era um cara que nunca tinha visto na vida. Ele começou: 'Oh, que maravilha de conhecer, não sei o que' e, quando eu vi, ele cuspiu um pedaço do que ele estava comendo bem na minha camisa. Tem isso também, mas faz parte…", sorri.
"Queria ser goleiro, professor, músico…"
A vida longa na mídia esportiva, porém, fez com que João Carlos passasse a gostar cada vez menos de esportes. A gota d'água é a organização da Copa de 2014.
"O futebol está nas mãos de uma gentalha, da pior espécie. A CBF é um antro há muito tempo de negociadores, e nada pode ser legal se só tem gente preocupada em encher o bolso. Veja a casa que o Ricardo Teixeira está morando. Veja as acusações contra João Havelange, Marco Polo Del Nero, Carlos Nuzman. São dirigentes que envergonham o esporte nacional. Todo dia vemos negociatas em federações, ditaduras em outras… Você fica vendo isso e… (suspira). Quando você é jovem, não liga pra essas coisas, só quer ver bola rolar. Hoje, tenho outra visão", detona.
João (terceiro em pé, da esq para dir) no time de jornalistas brasileiros que enfrentou a equipe de periodistas argentinos durante o Campeonato Mundial de Clubes de basquete, em 1981. O penúltimo em pé (da esq para dir) é o narrador Galvão Bueno. "Ele (Galvão) ficava falando 'não chuta, não chuta', e eu mandava pra cesta e acertava todas. Fiz vários pontos nesse dia e nós ganhamos!", conta.
O apresentador diz acompanhar TV esportiva para estar bem preparado para o "Bate Bola", mas hoje prefere se dedicar a seus dois livros, que tomam quase todo o seu tempo livre. 7000km de histórias italianas conta causos e curiosidades de uma longa viagem de um ano que fez com sua mulher pela Itália – será lançado em breve. Já o segundo, que João considera "seu grande legado", ainda não tem nome, e é uma enciclopédia de cinema italiano. Um trabalho monstruoso, que tem registros detalhados de todos os filmes já feitos na "Velha Bota". "É um trabalho para 20 pessoas que estou fazendo sozinho. Estou nisso há 10 anos…", conta.
Durante a conversa, João Carlos deixa claro, porém, que apesar de gostar de seu trabalho como apresentador de televisão, desejava mesmo era fazer outra coisa. Queria ser goleiro, como nos tempos que defendeu o Clube Atlético Bonfiglioli nos campeonatos de várzea de São Paulo – na posição, ele chegou até a participar de uma peneira no Santos. Ou então músico, já que adora tocar violão, cantar em bares e escutar sua coleção de LPs com os melhores rocks dos tempos áureos. Talvez professor de espanhol e filosofia, que foi, segundo ele próprio, a coisa que mais gostou de fazer na vida.
"Tenho muita vontade de voltar a dar aula, é uma das coisas que mais gostei de fazer na vida, mais que tocar ou cantar. Dar aula pra criança e adolescente é muito legal. Foi bom pra entender a cabeça dos jovens, promover discussões, era quase um 'Bate Bola' (risos). Não tinha método nenhum, não sou formado nisso, mas era demais. Larguei a escola com dor no coração para ir para a ESPN", recorda.
"Acho que só gostei tanto de dar aula quando no tempo que que eu jogava no gol nos campeonatos de várzea. Era demais! A gente jogava em uns "buracos quentes", lugar que 'nego' ficava jogando pedra na gente, gritando 'goleiro veado' (risos)", prossegue, antes de concluir, pensativo: "Quem sabe se, quando a gente morre, vai pra um lugar que os caras falam: 'Você tem direito a assistir a qualquer coisa da sua vida de novo. O que você gostaria?'. Eu falaria: 'Quero sentar na melhor poltrona e rever todos os jogos que fiz na várzea"'.
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