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Repórter já ouviu piada machista após entrevista; hoje é âncora no Nordeste

UOL Esporte

21/03/2019 04h00

Recentemente, Emmily Virgílio foi surpreendida pelo garçom de uma pizzaria onde jantava em Natal, no Rio Grande do Norte. O homem pediu uma foto e disse que lembrava dela fazendo reportagens sobre o Corinthians no programa "Jogo Aberto", da Band. A única reação dela foi agradecer e concluir: "Mas já faz tanto tempo!".

Apesar de estar fora da imprensa esportiva há cinco anos (da Band já são quase dez), a jornalista de 37 tem a imagem muito associada à cobertura dos jogos e treinos dos grandes clubes de São Paulo e guarda boas lembranças do período.

Hoje ela é apresentadora do "RNTV 1ª edição" na Inter TV Cabugi, afiliada da Globo no Rio Grande do Norte, e repórter "de rede" – quando conteúdos locais são adaptados para os noticiários nacionais, como "Jornal Hoje", "Jornal Nacional" e "Jornal da Globo". É um dos rostos mais conhecidos do jornalismo potiguar e acha que só chegou lá pela experiência com esporte.

"O jornal que eu apresento hoje é completamente no improviso e sem TP (teleprompter, o equipamento que mostra o texto a ser lido). É um desafio diário, linguagem mais coloquial, chegando mais na casa das pessoas. E eu acho que o esporte foi fundamental. Eu entrava no Jogo Aberto, não tinha nada, mas falavam para segurar ao vivo porque estava dando audiência. Aí você ficava quatro, cinco, seis minutos ao vivo preenchendo com informação. Foi minha escola", contou ao UOL Esporte.

Potiguar de nascença, ela deixou o Estado para trabalhar como estagiária na produção da Record TV, quando ainda cursava jornalismo. Depois entrou como trainee na Band e se firmou no esporte, como parte da equipe comandada pelo narrador Luciano do Valle. Foram cinco anos, diversas coberturas marcantes, como os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, e depois passagens por ESPN Brasil, Record Rio e Terra TV. Em algumas dessas experiências, Emmily viveu o desafio de afirmação da competência feminina no jornalismo esportivo.

"Consegui uma entrevista exclusiva com o Nilmar na época das brigas com o Corinthians. Quando cheguei ao treino disseram 'é porque o jogador quer pegar você'. E não pelo meu mérito? Ninguém vê que passei quase um mês de plantão, escondida no Parque São Jorge, para falar com ele. Aí um dia eu consegui. E quando consigo ainda tenho que ouvir isso. Eu buscava muito as exclusivas para fugir de coletivas. Só que o Nilmar não falava com ninguém, e quando falou comigo circulou essa informação. Eu ri, eu dei risada. A gente nem deve, mas acaba se acostumando. Quer achar? Acha. Aí com o tempo você vai conseguindo outras entrevistas e se impõe. As pessoas passam a respeitar", desabafa a jornalista, que admite ter mudado comportamentos para trabalhar em um ambiente machista.

"Muito do preconceito não víamos muito. Sempre existiu de ser xingada em estádio, mas agora está mais exposto por causa das redes sociais, que expõem muita coisa horrorosa. Já aconteceu de jogador fulano mandar recado, pedir telefone, já aconteceu de eu ter medo de fazer perguntas em coletivas com medo de ser ridicularizada pelos colegas. Mas confesso que nunca me aconteceu nada a ponto de me sentir ofendida. Isso também saiu da minha postura. Você pondera a roupa que vai num treino, evita que vá chamar atenção. Porque às vezes eu chegava e só tinha eu de mulher. Talvez seja um preconceito velado meu, mas era uma maneira de me defender. Até que um dia você se impõe e não tem mais esse problema", desabafa.

Hoje há mais mulheres na imprensa esportiva do que na época em que Emmily Virgílio trabalhava na Band. Inclusive como comentarista, a exemplo de Ana Thais Matos, do SporTV. "Pioneira", a jornalista potiguar se orgulha, mas mantém alerta sobre o preconceito:

"Vejo mais mulheres do que antes e uma vontade maior de defender quem está trabalhando dos próprios colegas homens do que antigamente. Há mais consciência. E mesmo assim acontecem casos como do Ronaldo com a Ana. É triste. Ele foi jogador, mas é parte da imprensa. Triste ver gente de dentro com uma opinião daquela diminuindo quem trabalha com o mesmo que ele. E ainda mais citando a Renata Fan, que talvez tenha sido uma das pessoas que mais se esforçou para se colocar em pé de igualdade. Nenhum homem via a quantidade de jogos que a Renata via antes dos programas. O esforço foi a arma dela para combater o preconceito."

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Vale #tbt de ontem? #jornalnacional

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Um ano "do outro lado do muro"

Entre março de 2011 e junho de 2012, Emmily trabalhou como gerente de comunicação do ABC, tradicional time do Rio Grande do Norte. Da mesma maneira que na imprensa esportiva, também foi desafiador ser mulher ocupando cargo de chefia em clube de futebol.

"Pude ver exatamente o outro lado. Eu participava de reuniões sendo a única mulher e sempre olham diferente. Mas eu era mais ouvida e me envolvia em todo tipo de reunião e tomada de decisão. Não tinha nenhuma figura feminina falando em nome do clube. Foi ótimo, futebol é futebol em qualquer lugar do mundo. A paixão do torcedor do Corinthians e do Flamengo não é maior que a do ABC", diz a jornalista, que lembra de uma polêmica no cargo.

"Na época o América-RN não tinha onde jogar e o ABC tinha o Frasqueirão. Eu cogitei o aluguel em uma entrevista por questão financeira, porque era muito rentável. Mas caiu a casa, a torcida não gostou. Como nunca fui torcedora doente eu não conseguia compreender."

A experiência durou pouco mais de um ano. O ABC foi 10º colocado da Série B de 2011, a oito pontos do acesso.

Experiência e amizades na Band

"O Luciano do Valle me encaixou no vôlei de praia, abriu as portas. Eu tinha intimidade com o tema e cobri na Band durante dois anos. Minha primeira transmissão ao vivo foi com ele, fui muito privilegiada. E sempre fazia reportagens com o Fernandinho Fernandes, que para mim é uma referência no ao vivo. Tive essa sorte e privilégio. Ainda dei sorte porque a Band retomou o Campeonato Brasileiro na época em que eu entrei, então logo vieram Neto e Renata Fan, e a Renata sempre me deu força pelo fato de ser mulher. O Téo José também é um grande amigo meu até hoje. E na Band eu vivi o sonho de cobrir a Olimpíada de Pequim, fiz o ouro do vôlei feminino, o ouro do Cesar Cielo e as oito medalhas do Michael Phelps na natação."

Ganhou cerveja ao vivo na Copa

"Fiz a Copa do Mundo de 2014 pela Globo em Natal e viralizei (risos). Eu não vi na hora, só quando viralizou. Era um dia em que tinha chovido muito. Eu estava com fone de ouvido, prestando atenção, concentrada e não vi quando o moço me ofereceu cerveja. Eu nem percebi, absolutamente nada, só depois. Foi engraçado."

Volta pro esporte? Ou pra São Paulo?

"Não sei. Não virei essa página do esporte totalmente. Não morro de saudade de fazer treino, dia a dia, mas grandes jogos, grandes eventos, eu acompanho ainda. Quando tem ABC x América eu quero ver. Não é uma página virada. Eu nunca viro as páginas, porque às vezes a gente planeja e sai tudo diferente. Também não virei a página de São Paulo. Não é uma decisão tomada de que quero voltar, mexe comigo. Acho que queria São Paulo mais do que o esporte. Mas o que tenho vivido aqui, os aprendizados diários, é muito bom. Quando a gente já aprendeu tudo vem outro desafio."

Sobre o Blog

A TV exibe e debate o esporte. Aqui, o UOL Esporte discute a TV: programas esportivos, transmissões, mesas-redondas, narradores, apresentadores e comentaristas são o assunto.