Vizinha de Hamilton e de Djokovic, Mariana Becker revela bastidores da F1
Marcelo Tieppo
29/06/2019 04h00
A gaúcha Mariana Becker passou metade dos seus 48 anos como repórter esportiva da TV Globo, e está acompanhando pela décima-segunda vez uma temporada de Fórmula 1. Logo depois de se formar, já contratada pela emissora, mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1995. E ela cita um famoso escritor gaúcho para resumir a paixão à vista pela Cidade Maravilha. "Demorei mais ou menos uns cinco minutos para me adaptar ao Rio de Janeiro. Como diz Luis Fernando Verissimo, todo gaúcho que é gaúcho mesmo ama o Rio."
Há 10 anos, Mariana trocou o Rio pelo principado de Mônaco, que tem todo um glamour imaginário. "Em Mônaco as pessoas podem ter uma vida com glamour ou uma vida normal. A minha é a segunda opção. O glamour significa que as pessoas podem sair de manhã vestidas como se fossem para uma festa que ninguém vai estranhar", afirmou Mariana.
Abaixo a repórter relembra bastidores de como rasgou uma calça na tentativa de entrevistar Neymar, fala de matérias inesquecíveis, bolas foras, de Senna, Lauda e dos sonhos que ainda pretende realizar na profissão.
A vida em Mônaco
Vinte e cinco anos depois de sua morte, Ayrton Senna da Silva, o Rei de Mônaco, maior vencedor da história do GP com seis triunfos, ainda é reverenciado nas ruas do principado, conta Mariana Becker. "Em Mônaco, Ayrton Senna é quase uma divindade. Dá pra dizer que, depois da princesa Grace, ele é o cara mais popular de Mônaco."
"A minha rotina é não ter rotina, já que estou sempre viajando. Mas quando estou em casa, faço questão de tomar um café da manhã calmo, lendo as notícias das revistas e dos jornais, no sol. O melhor para mim é ter o mar de Mônaco, maravilhoso e muito limpo, bem pertinho da minha casa, onde eu posso nadar a qualquer hora."
"Além de muitos vizinhos famosos da Fórmula 1, como Hamilton, na rua de baixo mora o Djokovic e na rua de cima, a Elena Isinbaeva. O Djokovic eu já vi em vários lugares, na rua e em restaurantes. Já encontrei, inclusive, a princesa de Mônaco, Stéphanie, que era a musa da minha época, no supermercado algumas vezes."
Uma mulher na redação de esportes
Em 95, quando chegou ao Rio, Mariana entrou em uma redação praticamente formada só por homens, mas disse que aos poucos a realidade foi mudando e enxerga hoje um momento de transformação. "Não havia mesmo muitas mulheres na redação nessa época. No mundo profissional, normalmente as mulheres têm que se provar para serem ouvidas e para terem a mesma consideração. Mas também tem caras que mudaram, os que não foram criados assim, que sabem e gostam de fazer time com mulheres. Tenho amigos profissionais que viraram meus irmãos para sempre. Hoje tem muito mais mulheres trabalhando, mais mulheres com poder. Não garante tratamento igualitário, mas já é um passo. A transformação ainda está acontecendo."
Colecionadora de histórias
A curiosidade permitiu que Mariana contasse histórias que não ficaram restritas apenas ao esporte, como a que fez na Ilha de Páscoa, onde foi recebida com cerimônia e dança. "A Ilha de Páscoa ainda faz um rito de passagem de um menino pra homem em que os garotos descem, vestidos a caráter, uma montanha, montados num tronco de bananeira. Contei essa história no Jornal Nacional."
Outra passagem marcante foram os 30 dias em que ela viajou de barco pela costa Oeste da Groenlândia e encontrou uma esquimó que fez um pedido pra lá de inusitado. "Ela me perguntou se eu tinha chimarrão, porque tinha estudado em Canoas, que fica pertinho de Porto Alegre."
As andanças pelo Brasil afora também fizeram Mariana encontrar a filha única de Lampião e Maria Bonita. "Ela me contou que Lampião deixava carretel e linha de costura de presente pra ela na casa de seus pais adotivos."
"Também tive momentos duros, como o assassinato em massa cometido por um piloto que resolveu derrubar um avião lotado nos Alpes franceses, com crianças a bordo; e o ataque terrorista de Nice. São 24 anos tendo o privilégio de estar onde a vida muda de uma hora pra outra."
Correndo atrás de Neymar com a calça rasgada
No dia 12 de maio, durante o GP de Barcelona, Mariana recebeu a informação de que Neymar estava lá para acompanhar a corrida. Ela saiu em disparada e acabou caindo. "Na correria, tropecei em um cabo. Caí na frente das equipes que estavam acabando de fazer os últimos acertos no carro antes de liberá-los para o grid de largada e na frende do paddock club, onde ficam os vips."
"Eu ando com três caixinhas de metal, que são os meus equipamentos, penduradas na cintura, com vários cabos ligados a elas. Eu caí e me levantei correndo, já com os equipamentos na mão, porque queria tentar entrevistar o Neymar. Aí meu produtor alertou que não dava pra seguir porque a minha calça estava rasgada. Amarrei na minha cintura uma bandeira que estava dando sopa e fiz todo o grid de largada segurando a bandeira."
Mariana conseguiu fazer a entrevista com Neymar, mas essa não foi a primeira vez que viveu situações inusitadas. "Entrevistei um motorista de táxi, quando fui fazer um jogo do Real Madrid, que queria me apresentar para o filho para que eu me casasse com ele. Em 1998, fui fazer um povo-fala sobre a Copa do Mundo, no Rio de Janeiro. Vi um bar português muito bonitinho e entrei com o cinegrafista, outro gaúcho recém-chegado, já gravando para pegar a naturalidade das pessoas. De fora, vi que o bar estava cheio e animado. Fomos perguntando o que estavam achando do jogo, a expectativa do placar e as pessoas ficaram em silêncio porque era um bar de surdos-mudos."
Bastidores da Fórmula 1
Mariana Becker coloca no seu pódio imaginário da Fórmula 1: Ayrton Senna, Juan Manuel Fangio e Niki Lauda, mas faz citações honrosas para Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi. Ela também revela que só aprendeu a ver corridas com outros olhos depois de se aventurar no Rally dos Sertões. "Eu via Fórmula 1 como todo brasileiro. Quando corri o meu primeiro Rally dos Sertões, passei a compreender a emoção da história. Passei a prestar a atenção em outras coisas: as escolhas, os traçados. Como eu falava línguas, já tinha uma certa experiência e gostava do assunto, lá fui eu para a Fórmula 1."
"Lauda foi um grande amigo, muito generoso. Quando cheguei, me deu uma longa entrevista exclusiva contando toda aquela história que depois virou o filme "Rush". Mostrou as queimaduras, tirou o boné para me mostrar as cicatrizes. Era sempre simpático e me dava informações esclarecedoras. Faz parte da velha guarda de grandes aventureiros do passado. Eu adorava ele. Hoje os pilotos são muito distantes."
"Assim como todos nós ficamos de mau humor quando cometemos um erro crasso, quase todos os pilotos são chatos quando perdem ou quando fazem alguma bobagem na pista. Kimi Raikkonen é um dos mais difíceis de entrevistar, pois responde monossilabicamente e raramente diz algo mais contundente."
Sonhos não envelhecem
Mariana Becker tem uma lista de desejos, que envolvem os grandes eventos esportivos, como a Olimpíada, que ela cobriu, em 2016, no Rio de Janeiro. Mas a jornalista também tem sonhos como o de cobrir conflitos de guerra. "Jogos Olímpicos e Copas do Mundo são sempre sonhos a serem realizados. A cada quatro anos, o mundo esportivo vira. E estar no momento em que o mundo se transforma é sempre muito interessante – não que o mundo não se transforme fora disso, mas esses são grandes eventos."
"Fora do esporte, eu tenho vontade de cobrir conflitos de guerra, além de fazer um documentário ou uma matéria mais longa com os gorilas na África ou com os lobos no Alaska. Como eu gosto muito de bichos, para mim é um prazer observá-los e é fácil escrever sobre eles."
"O jornalista nunca para de ter sonhos porque o mundo nunca para de girar e a história nunca para de acontecer. Então sempre tem alguém interessante sobre quem a gente quer saber mais. Enquanto o jornalista estiver vivo, ele sempre terá alguns sonhos."
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