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Mariana Godoy recorda fase no esporte: "Não era médica para ver gente nua"

UOL Esporte

24/11/2018 04h00

 

Divulgação/RedeTV!

Quem acompanha o trabalho de Mariana Godoy acostumou a ver a jornalista, na maioria das vezes, em telejornais. Foi assim, por exemplo, na TV Globo, onde ganhou mais fama, e é até hoje a apresentadora que mais tempo ficou na bancada do Jornal Hoje – 18 anos. Pouca gente sabe, porém, que a apresentadora dos programas Café das 6, da Rádio Globo SP, e Mariana Godoy Entrevista, da Rede TV!, teve o início da carreira profissional ligado ao esporte.

Sua passagem pela televisão começou em 1989, na TV Gazeta, após ser 'descoberta' por Roberto Avallone durante um sorteio e contratada para o tradicional programa Mesa Redonda Futebol Debate. Foi justamente nessa emissora que ela teve a oportunidade de trabalhar com Regiani Ritter, primeira mulher a ocupar a função de repórter de campo no Brasil e uma das profissionais mais respeitadas no jornalismo esportivo. Apesar da admiração pela colega, Mariana Godoy não seguia tudo o que ela lhe pedia. Ir aos vestiários para entrevistar os jogadores (muitas vezes) como eles vieram ao mundo não lhe agradava.

"Regianiiiiii Ritterrrrrrr", brinca . "Acho que a primeira mulher que trabalhou numa primeira transmissão esportiva, ela falava com muito orgulho, ela falava assim: 'Você tem que entrar no… [risos] vestiário dos jogadores, e eu não conseguia, não, eu falava para ela: 'Regi, é o seguinte, eu sou jornalista, eu não sou médica legista, eu não quero ver corpo nu, não, eu não vou entrar no vestiário dos caras', e as equipes [de TV] ficavam bravas porque como eu não entrava, eu acabava fazendo a equipe esperar mais tempo, porque eu tinha que esperar os jogadores saírem para eles poderem dar as entrevistas", recorda Mariana Godoy em conversa exclusiva ao UOL Esporte.

"Eu não entrava nos vestiários e não entro mesmo, eu não quero entrar, eu não quero saber. 'Ah, mas faz parte da sua profissão'. Não, não faz não, eu não sou médica, eu não quero ficar vendo pessoas nuas ou seminuas'. Mas a Regiani se vangloriava disso, e eu falava: 'Ah Regianiiiii', mas ela levava muito a sério essa coisa de 'eu vou entrar e pronto', e no fundo eu acho bacana isso, ela marcou posição, 'se os homens podem, eu também posso, eu estou fazendo o mesmo trabalho que eles' e eu acho isso super bacana. Mas eu não tinha essa pegada de marcar posição, mais feminista, eu já sou mais tranquilona, eu falava: 'Não, eu não quero, não'", acrescenta a apresentadora de 49 anos.

Uma descoberta de Avallone

A chegada à TV Gazeta se deu por conta do olhar atento de Roberto Avallone, que por muito tempo apresentou o Mesa Redonda. A maneira descontraída com que Mariana Godoy fez uma promoção durante um programa chamou a atenção do jornalista, que logo pediu a sua contratação. O esporte passou a tomar conta da vida de Mariana.

"No sábado esportivo da TV Gazeta, eu fui fazer uma promoção junto com o pessoal do marketing do Canal + no programa que estava sendo apresentado pela Wania Westphal e mais um outro apresentador, e eu fui fazer um sorteio de um codificador… Eu que explicava como funcionava a TV a cabo: o sinal que vinha do satélite, antena, tal, e que para chegar na sua casa tinha que passar por um decodificador… Imagina isso em 1989. Eu era uma menina. E o Avallone assistiu ao programa e me contratou…", recorda.

"Ele falou assim: 'Você nasceu para fazer isso aí, você é uma pessoa de televisão, você domina', e eu falei para ele: 'Não, eu não domino nada'. Eu não ligava para aquilo, mas aí ele falou: 'Não, você é muito boa, vem trabalhar com a gente, e aí eu comecei a trabalhar no Mesa Redonda Futebol Debate. Você quer falar que o Avallone me descobriu? Pode falar, porque ele é todo metido, ele fala isso mesmo [risos]. No Mesa Redonda eu trabalhei com a Helô Campanholo, com a Débora Menezes, a gente atendia telefone no programa, era muito bom, era maravilhoso, e eu atrapalhava o Avallone. Ele fazia merchandising ao vivo, falava da cola Prit: 'aumentou o bastão sem aumentar no preço', aí eu fazia com a mão, aumentou o bastão, fazia aquela cena 'hummm, bastão grande', e o Avallone começava a rir no 'merchan'. A gente sempre trabalhava no clima descontraído", conta.

A generosidade de Ayrton Senna

No tempo em que trabalhou com esporte, o que mais marcou Mariana Godoy foi a generosidade de algumas pessoas com quem teve a oportunidade de conviver. Uma delas foi Ayrton Senna. O ídolo brasileiro 'salvou a pele' da jornalista que, até então, não sabia nada de Fórmula 1 e precisava fazer uma reportagem antes do Grande Prêmio do Brasil. Graças ao piloto brasileiro, tudo saiu melhor do que o esperado.

"Eu não sabia nada, por exemplo, de Fórmula 1, e o Ayrton Senna percebeu, sacou porque eu falei para ele: 'Senna, eu não sei nada, eu não acompanho a Fórmula 1, e me botaram aqui hoje'. E aí eu falei: 'Posso te fazer uma pergunta meio generalizada e você me responde o que você sabe e o que as pessoas querem ouvir'? Falei: 'Senna, e aí? Qual a expectativa para a corrida'? Uma bobagem dessa. Mas o Senna falou da mudança no câmbio, da mudança do combustível, da troca de pneus, da decisão que a equipe tinha tomado a respeito do pneu se chovesse ou não, do risco que eles iam correr por não trocar o pneu… Ele falou um monte de coisa que eu nem sabia. Ele foi embora e o diretor de esportes berrava no fone de alegria, me dizendo que eu era o máximo, e foi assim; mérito nenhum meu, mas por generosidade do Ayrton Senna", relembra.

 

Divulgação/RedeTV!

A generosidade de Osmar de Oliveira

No meio jornalístico, uma das pessoas que mais marcaram a carreira e a vida de Mariana Godoy foi o já falecido Osmar de Oliveira. Classificado como 'fundamental' pela jornalista, ele é personagem de mais uma curiosa história contada por Mariana, que não pensava duas vezes antes de aceitar qualquer desafio. Mesmo que não tivesse muito ideia do que teria pela frente.

"Foi ele quem me tirou da Gazeta e me levou para a Manchete [extinto canal de TV]. O Avallone me deu a oportunidade de sair para rua, fazer as primeiras matérias, e um dos filhos do Osmar me viu no Mesa Redonda e falou para o pai. O Osmar de Oliveira me contratou para cobrir férias. Acabei ficando na TV Manchete, fui trabalhar na Manchete Esportiva com o Oscar Ulisses apresentando. Você imagina eu passando o TP para o Oscar Ulisses a bagunça que eu fazia… Eu fazia muita coisa errada, mas eu tive excelentes e generosíssimos professores. O Osmar de Oliveira uma vez falou para mim: 'Preciso de um repórter para fazer um torneio de tênis, você vai'? Falei para ele: 'Mas eu não jogo tênis e não conheço as regras'. 'Ah, vem aqui que eu te ensino, a regra é assim'. Achei outro dia a agenda onde eu anotei as regras do tênis, eu fiquei estudando. Na época não tinha Google, o textinho que ele falou, me ensinou como fazia a contagem dos pontos. Eu fui narrar o primeiro evento de tênis tendo aprendido as regras dois dias antes. Foram pessoas maravilhosas que estão no meu coração para sempre", agradece.

Lesão impediu voos mais altos no basquete

Antes de ingressar no jornalismo, Mariana Godoy – que nasceu em Itanhaém, litoral paulista, e passou a infância em Amparo, interior de São Paulo – já estava ligada ao esporte de outra forma: dentro das quadras. Ela jogou basquete, e não foi qualquer jogadora. Ganhou títulos estaduais e dividiu a quadra com atletas do calibre de Paula, Branca e Janeth.

"Eu joguei basquete. Fui campeã estadual várias vezes pelo clube Divino, que era o colégio onde eu estudava, Divino de Jundiaí, onde jogou a Paula, a Branca… Na época que eu fui elas tinham acabado de sair do Divino para ir para o Unimep, de Piracicaba. Eu fiquei no banco várias vezes, em vários jogos [risos], com a Hortência em quadra e Branca e Paula também. Eu estava no banco, mas estava lá [risos]. Eu sou um pouco mais nova que elas, peguei a geração da Cintia, da Janete… Com essas eu joguei mesmo", relembra Mariana, que com bom humor explica um dos motivos que a fizeram não seguir com a carreira.

"Quando eu tinha 12 anos, eu media 1,68 m, era bem alta, e quando eu tinha 16 anos eu continuava com 1,68 [risos]. Aí eu já era lateral (ala), e, com 18 anos, eu continuava com 1,68 m, e aí eu já não era mais nada [risos]. Eu não cresci muito. Eu tinha um bom arremesso. Eu era muito boa na marcação, mas eu não era excepcional, não era assim, maravilhosa", diz.

Porém, o que acabou de vez com a 'brincadeira' de Mariana Godoy foi uma lesão no joelho. Aos 17 anos, ela ficou arrasada ao saber que teria de parar com o esporte. E chorou demais.

"Numa disputa de bola com a Janete eu tive uma lesão, uma lesão que veio sendo construída ao longo dos tempos. Com 17 anos eu arrebentei o meu joelho. Eu ia fazer fisioterapia no São Paulo… Sabe quem fazia fisioterapia ali? O Falcão, ele jogava no São Paulo, tinha um carro Escort Branco. Eu via o Escort do Falcão e falava: 'Olha, ele já está aí fazendo a fisioterapia'. E o ortopedista fez todos os exames e falou : 'Gazeta maravilhosa', e eu falei: 'olha que bom, uma coisa maravilhosa'. E ele: 'Não, a Gazeta é o nome da sua lesão, você não pode mais jogar basquete', e eu chorava. Eu não tenho joelho, na verdade, eu não tenho menisco, eu não tenho ligamento, eu tenho o joelho reconstruído. O Dr. Joaquim Grava que me operou, com 32/33 anos mais ou menos, e ele falou: 'Na próxima eu vou pôr uma prótese no seu joelho, você tem um joelho de uma senhora de 80 anos'. Eu tinha muito amor e muita paixão pelo esporte, quando eu saí foi por causa da lesão, eu fiquei arrasada. Eu era uma adolescente, eu chorava copiosamente", conta.

 

Divulgação/RedeTV!

VEJA MAIS TRECHOS DA ENTREVISTA:

A inocente gafe com o ex-árbitro Armando Marques

Uma vez eu estava fazendo uma transmissão com o Oscar Ulisses e teve um pênalti, e eu perguntei para todos os meus amigos ao lado: 'Foi pênalti'? Eles disseram que foi, e estava o José Calil do meu lado falando que tinha outra cara da Rádio Globo dizendo que foi, e eu falei que foi. Aí o Armando Marques, que era o comentarista da TV Manchete, falava que não foi. Aí eu falei assim: 'Ô Armando Marques, você está aí em cima na cabine, você não está vendo direito, a sua visão daí é só do ponto de vista da câmera, eu estou aqui embaixo atrás do gol e estou falando o que eu vi, foi pênalti'. Eu falei isso ao vivo na transmissão da TV Manchete, aí o Oscar Ulisses: 'Calmaaaa, meninaaaa', e aí o Armando falou: 'Mas eu acho que não foi por isso e por isso', e eu falei: 'Ah, você é aquele cara que errou na contagem dos pênaltis [decisão do Paulista de 1973] no jogo tal e tal, e aí o Armando falou assim: 'A Mariana tem razão, eu é quem preciso entrar no Mobral, eu vou ficar quieto agora [risos]', mas eu não falava com agressividade. Então eu acabava dando esses foras sem nem saber que era um fora tão pesado. Não ficava pesado porque eu era uma pirralha, uma meninona. Foi divertido, engraçado, o Armando não ficou bravo nem nada.

Preconceito? 'Se tinha, não percebi'.

Nem imagino. Se tinha, eu não percebi. Eu era muito meninota, não tinha essa noção. Eu vou te dizer. Hoje eu estou na Rádio Globo SP, no programa Café das Seis, de segunda à sexta, das 6 às 8 da manhã, e lá quem faz a pauta do esporte – o que tenho a dizer, dar opiniões sobre os jogos da rodada – é a minha estagiária, Ludmila Cardal. Ela ia muito no estádio com o avô e com o pai, ela ama futebol e ela assiste tudo. Então hoje eu vejo que lindo; eu tenho uma jornalista novinha de 20 anos que ainda nem terminou a faculdade e está começando do mesmo jeito que eu comecei, mas muito melhor, porque essa ama, e eu quero que um dia ela venha trabalhar na transmissão esportiva com o Oscar Ulisses, porque ela sabe do que está falando.

'Sempre soube que faria jornalismo'

Não, eu sempre gostei do jornalismo, sempre soube que faria jornalismo. Eu era pequena quando via um programa que chamava Globinho e a Paula Saldanha incluía algumas pautas jornalísticas para livrar um pouco da censura na época. A TV Globo conseguiu incluir algumas matérias dentro de uma programação infantil e o meu pai chamava a atenção para isso. A gente via o Mundo Animal e depois a Globinho, e eu ia para escola à tarde e o meu pai dizia: 'Ah, olha como eles estão fazendo, estão dando informação no meio dos desenhos', e eu olhei o trabalho da Paula Saldanha e falei: 'Que coisa bacana que essa moça faz, eu vou fazer isso', então eu sempre quis trabalhar com a comunicação. O esporte foi uma etapa maravilhosa na minha vida, eu tenho paixão pelo esporte, fiquei muito deprimida quando eu tive que parar de jogar, mas eu já sabia que eu queria trabalhar com jornalismo desde sempre.

A saída da área de esporte

Foi natural, não foi deixar. Foi indo… Quando veio o convite para eu ir para a TV Globo, ele surgiu a partir de um teste que eu fiz para o canal da Globosat. E não era um convite para esporte, ele era um convite para jornalismo, e eu fui. E a minha primeira matéria foi sobre o Memorial da América Latina que estava recebendo umas palmeiras imperiais, e eu dizia: 'Finalmente algum verde para quebrar esse cinza monocromático e duro que não acrescenta em nada no visual da cidade', que eu desteto as obras do Oscar Niemeyer… Aí chega o editor e fala assim: 'Você está criticando o Niemeyer'? Eu falei: 'Ué, o cara pega a zona de várzea [Barra Funda] do Rio Tietê e constrói um negócio impermeável, com cimento, e eu não vou poder meter a boca? Vou falar mal, sim, não gosto, está impermeabilizando demais o solo'. E assim foi, e a matéria foi para o ar e foi a minha primeira matéria na Globo, aí eu fiquei cobrindo cidade. Então tudo aconteceu naturalmente.

A paixão pelo São Paulo e Telê Santana

Sou são-paulina. Acho que Telê Santana foi o melhor técnico que o Brasil já teve. A seleção de 82 foi a seleção campeã que não levou a Taça. Foi uma época muito, muito bacana de acompanhar o esporte, o cenário esportivo brasileiro. Não sei se porque eu era mais nova e mais animada com essa pauta, mas eu me lembro com reverência.

As mulheres no esporte: "têm que ser 2x melhores"

Acho muito bacana. Quando tem mulher trabalhando com esporte ela tem que ser duas vezes melhor do que qualquer cara, e hoje tem muita mulher muito boa fazendo esporte muito bem.

Amigos mais fiéis são do esporte

Os meus melhores amigos e os mais fiéis são da época do jornalismo esportivo, da cobertura esportiva, e os atletas são as melhores pessoas. O esporte constrói o caráter, não só de quem pratica o esporte, mas também de quem trabalha com o esporte. Amo todos.

Por Karla Torralba, Marcello De Vico e Vanderlei Lima
Do UOL, em Santos e São Paulo

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