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#DeixaElaTrabalhar: mulheres jornalistas relatam medo e luta contra "leões"

UOL Esporte

27/03/2018 04h00

O que temos em comum? Somos mulheres, jornalistas e apaixonadas por esporte. Mais de 100 iguais a nós se uniram nesta semana em um movimento intitulado "Deixa Ela Trabalhar", que tem o objetivo de combater infinitas situações de machismo que transformaram estas profissionais em vítimas.

Você já se imaginou em uma realidade em que precisaria ter medo do seu próprio ambiente de trabalho, onde só quer conquistar o pão de cada dia com honestidade? Em que não se sente seguro o suficiente para fazer o que mais ama no tempo livre – isto é, acompanhar o seu clube do coração? Os casos que chegam ao conhecimento do público envolvem torcedores agressivos e assediadores, mas as mulheres também encaram uma luta particular no próprio ambiente de trabalho, diante de seus iguais.

A primeira ação realizada pelo grupo de jornalistas ocorreu no último domingo, quando publicaram um vídeo que dominou as redes sociais (veja acima). O assunto foi parar até nos estádios, como o Maracanã, que exibiu a mensagem em seu telão no jogo entre Fluminense e Botafogo. Nas redes sociais, a CBF, diversos clubes e atletas também demonstraram apoio à iniciativa.

O UOL Esporte conversou com cinco repórteres de três das principais emissoras do país, que relataram o que as levou a integrar o movimento que se iniciou neste domingo e contaram as histórias de suas trajetórias até aqui.

Veja abaixo:

Natalie Gedra, ESPN Brasil

(foto: reprodução/Twitter)

Foram situações tão pesadas que não era nem questão de eu ser jovem.

Eu lembro de dois dias específicos em que saí chorando do estádio, pensando "meu Deus, eu me esforcei tanto para estar aqui, para ser a melhor profissional que posso ser". Anos atrás, quando era repórter da Band, eu fui fazer uma transmissão para eles… Eu estava perto do banco de reservas, e atrás do banco estavam os torcedores que me xingavam. Eu não tinha coragem de virar para trás e ver quem eram aquelas pessoas.

Eram todos xingamentos voltados ao fato de ser mulher: "cuidado que sua calcinha vai aparecer", "para quem você está dando para estar aí?" e daí para pior. E não era só uma pessoa horrível fazendo essas coisas, tinha outras pessoas rindo. Eu me senti humilhada, não olhei para a arquibancada. O cara viu uma mulher como repórter e decidiu me diminuir simplesmente por ser mulher.

Anos depois, quando eu estava com a Globo (ou seja, em outra emissora e outro estado do país), um torcedor desceu a arquibancada inteira me xingando de "p…" para baixo… E eu não tinha olhado para trás. Quando me dei conta de que era para mim, que ele apontava o dedo para a minha cara… Eu fiquei sem reação, não estava acreditando. As pessoas em volta de mim foram super bacanas e viram que meu olho se encheu de lágrimas.

Eu não tinha feito nada que justificasse aquilo, coisa alguma! Será que eu tenho que passar por isso só para trabalhar? Eu amo o que faço! A moral que eu tiro é que não importa onde você trabalha, o que une todas essas mulheres é o fato de ser mulher. O fato de ser mulher já significa que você pode ser humilhada.

É difícil saber por onde começar a mudar essa imagem de que a repórter só tem que ser levada em consideração porque ela é tão bonita, tadinha, vai fazer isso com ela? Primeiro de tudo, é uma questão profissional, de educação pessoal. Daí vai muito da forma como a nossa sociedade vê a mulher.

Espero que o que a gente está fazendo agora sirva para que essas meninas já cheguem em um cenário melhor do que a gente enfrentou nos últimos anos. Eu não queria estar numa profissão em que passar por isso viesse no pacote. A gente está se esforçando para elas encontrarem um panorama melhor quando chegarem.

Gabriela Moreira, ESPN Brasil

(foto: reprodução/ESPN Brasil)

A imagem que eu tenho quando entro no estádio, e já tinha essa imagem antes de trabalhar com esporte, é de que estava entrando em uma jaula com leões.

Eu costumo dizer que as redes sociais cansam as pessoas comuns pelo excesso de posts de "bom dia", "bom trabalho" e power points coloridinhos e bonitinhos. A mulher que trabalha com futebol tem outra realidade. Eu não recebo "bons dias", recebo "vadias", "vagabundas" e "piranhas" diariamente na minha vida. Desde a hora que eu acordo e até a hora em que estou fisicamente no estádio, esse é o tipo de tratamento que recebo.

Decidi dar um basta quando eu consegui juntar tudo isso em um HD, com centenas de ofensas, todas elas no mesmo nível, todas com a questão central de que mulher não devia estar aí, não entende nada, vagabunda, volta para o puteiro… Aí tem um basta. Quando você percebe que não pode perder para isso, perder o direito e a alegria de trabalhar. Eu tento reunir munição para vencer essa guerra e gritar como o grupo tem feito, porque o manifesto é um grito bem alto de todas as mulheres.

É um ambiente em que você tem que ter medo. Ninguém vai para o seu local de trabalho achando razoável trabalhar com medo. A imagem que eu tenho quando entro no estádio, e já tinha essa imagem antes de trabalhar com esporte, é de que estava entrando em uma jaula com leões. Eu continuo tendo essa imagem, mas não tenho mais medo dos leões. Nunca tive, na verdade, porque a minha postura sempre foi de enfrentamento.

Não enfrentamento de varejo, mas estratégico. Pensando em como vou continuar aquela luta ali sem deixar que aqueles leões me atrapalhem. Eu tive pessoas da minha família que foram torturadas na ditadura, então a imagem que eu tenho desse tipo de situação é de tortura moral.

Bárbara Coelho, SporTV

(foto: reprodução/Instagram)

O cara que vira e diz que isso é "mimimi"… Com punição se aprende. Você não quer aprender ouvindo e se conscientizando? Então que seja com punição.

Já temos mais de 100 envolvidas, e também mulheres do Chile, do Uruguai, da Argentina. A minha ideia é tentar fazer com que a campanha não morra, usar o que eu tenho de influência. Tornar isso um problema que o estado, que o país e que as pessoas entendam que quem faz esse tipo de coisa precisa ser punido severamente. Os clubes precisam entrar nesse movimento. Clubes, federações, CBF, a própria Fifa… Estamos pensando longe.

A conscientização vem em pequenos gestos: em ter mulheres em posições de poder e em punição adequada a quem ultrapassa a linha do respeito. O meu problema é o dia a dia, é enxergar que a minha opinião não é respeitada pelo fato de ser mulher. Não vejo problema quando não concordam comigo, mas é ruim quando não me aceitam especificamente por ser mulher.

É engraçado isso. Vários homens nos defendem sob o ponto de vista de que o "sexo frágil" merece proteção por causa de uma suposta "fragilidade", não por igualdade. É uma caminhada muito longa, é uma estrada que vai demorar para ser percorrida.

As pessoas podem mudar sua postura, sua forma de pensar. Eu conheci vários homens que podem refletir. Vários assumiram para a gente hoje que são machistas em desconstrução. A gente está longe de querer ser bajulada ou de ter qualquer tipo de prioridade, pelo contrário, só quer ser tratada igualmente.

Eu aceito não fazer alguma coisa porque preciso evoluir, me desenvolver e aprender mais como qualquer profissional. Mas não porque sou mulher e alguém acha que, por ser mulher, não vou ter capacidade. O cara que vira e diz que isso é "mimimi"… Com punição se aprende. Você não quer aprender ouvindo e se conscientizando? Então que seja com punição. O assédio moral já está na Constituição. Se você se sente assediada, tem que ter o direito de se posicionar.

Coube à nossa geração brigar por isso e pela mudança do mundo. Espero que a geração que vem depois da gente não passe pelo que a nossa passou. Mas se o caminho for mais longo do que esperamos, também não gostaria que elas desistissem. O meu recado é: não desiste e busque aperfeiçoamento, busque se posicionar sempre que se sentir denegrida. Não tenha medo! Isso é para a vida. Espero que elas se juntem a nós também.

Clara Albuquerque, Esporte Interativo

(foto: reprodução/Facebook)

O difícil é encontrar uma mulher que nunca tenha passado por isso.

Não só como repórter, mas também como comentarista, onde atuei durante boa parte da minha carreira e um setor, em especial, onde existem ainda menos mulheres.

Escutei, não só de torcedores, mas de colegas de trabalho também, que estava ali como "enfeite", porque era bonitinha, porque tinha me relacionado com algum chefe, que deveria comentar sobre culinária… E outras ofensas que não preciso nem repetir.

Começou com um grupo pequeno de WhatsApp que algumas jornalistas esportivas já tinham para discutir questões relacionadas ao machismo. Quando aconteceu o episódio com a Bruna Dealtry em São Januário, e com a Renata de Medeiros no Gre-Nal, o grupo começou a pensar numa forma de se posicionar e foi trazendo outras participantes.

Monique Danello, Esporte Interativo

(foto: reprodução/Facebook)

A gente se sente tão envergonhada que acaba escondendo para não ficar ainda mais constrangida.

Aconteceu comigo na Copa do 2014, no Mineirão. Estava lá do lado de fora, no pré-jogo, e um torcedor com uma camisa da Alemanha veio e tentou me beijar. Eu fiquei muito revoltada, mas ele sumiu do meu campo de visão. Na hora, o coordenador entrou em contato comigo para eu ficar tranquila porque não chegou a ir para o ar. Mas é revoltante, porque a gente se sente impotente.

Por isso foi importante o passo da Bruna [Dealtry, do Esporte Interativo] falar ao vivo. A gente se sente tão envergonhada que acaba escondendo para não ficar ainda mais constrangida. Mas o que a Bruna fez acabou encorajando.

Quando a Débora Gares [repórter da ESPN Brasil] estava gravida, nós estávamos em uma apresentação de um jogador no Rio. Estava uma confusão danada porque atrasou muito, estava muito calor. Já tinha passado o deadline de todo mundo. Ai quando o jogador chegou, tinha alguns seguranças para tentar organizar, e eles empurravam todo mundo. Aí eu falei: "Cuidado, ela está gravida". E ele respondeu: "Se ela está grávida, porque está aqui?".

Ana Carolina Silva e Beatriz Cesarini
Do UOL, em São Paulo

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