Em uma tarde fria e chuvosa no litoral de São Paulo, um homem de 34 anos reuniu um grupo de crianças e adolescentes em uma quadra de esportes no bairro do Topolândia, em São Sebastião. Conhecido destino do veraneio paulista por suas praias exuberantes, a cidade tem, por outro lado, o pior IDH da região.

"Meu nome é Diogo Silva e eu sou atleta olímpico", disse o lutador de taekwondo, que ficou a uma luta de ganhar uma medalha de bronze nas Olimpíadas de Atenas (2004) e Londres (2012). "Eu sou aqui do Topolândia, ali da outra rua", explicou ele, apontando umas casinhas humildes depois da grade que cercava a quadra.

Em seguida, reuniu os alunos de escolas públicas do bairro em um círculo e os fez repetir movimentos do esporte criado pelo exército coreano e que já rendeu duas medalhas olímpicas de bronze ao Brasil, conquistadas por Natalia Falavigna, em Pequim-2008, e por Maicon Andrade, na Rio-2016.

Além do taekwondo, as crianças de São Sebastião puderam conhecer movimentos do basquete, do vôlei e de outros esportes, que chegaram até eles pela "Caravana do Esporte", um projeto da ESPN em parceira com o Unicef, o fundo das Nações Unidas para crianças e adolescentes.

Para chegar até ali, a produção do programa precisou pedir permissão aos traficantes de drogas da região, que dominam a área, considerada uma das mais pobres da cidade.

O bairro costuma frequentar mais o noticiário policial. Em junho, a Polícia Militar disse ter apreendido 93 kg de cocaína, crack e maconha, além de armas com dois suspeitos de guardar o material em um morro no bairro.

"O tráfico está logo ali", disse Diogo à reportagem, explicando a negociação que precisou ser feita para a passagem da "Caravana". "Eles permitiram a ação, desde que não atrapalhe o negócio deles. O que eles não querem é ver polícia circulando por aí."

Hoje aposentado do tatame, o atleta se engajou no programa há exatamente dez anos, logo depois de sua medalha de ouro no Pan do Rio. Estudante de Educação Física, ele jamais se viu como um professor de academia e preferiu atuar perto da população que mais necessitava e que menos tinha acesso ao esporte.

Pacientemente, ele explica às crianças o movimento exato para chegar a cada soco, a cada chute, a cada salto de uma arte marcial sobre a qual elas provavelmente nunca ouviram falar. "O que queremos aqui é que eles tenham uma experiência, uma vivência diferente no esporte", explicou o ex-lutador.

A Caravana do Esporte é um projeto que leva a comunidades carentes esporte sob uma concepção diferente da qual ele costuma ser tratado pela programação da ESPN e pela imprensa esportiva em geral. "Não queremos necessariamente descobrir, revelar atletas aqui", disse a ex-atleta olímpica Ana Moser, que coordena o instituto realizador do projeto ao lado da ESPN, e estava também nas atividades de São Sebastião.

"Nada contra o esporte competitivo, até porque eu fui atleta e a minha vida foi competir. Mas aqui nós queremos mostrar que o esporte pode ser praticado por todos, baixinhos, gordinho, mais jovens, mais velhos."

Mais como uma parte da vida e menos como uma competição com vencedores e perdedores.

É por isso que a cada cidade que visita a caravana leva equipamentos baratos e de fácil montagem e que se adaptam ao biótipo das crianças que os utilizam. Em São Sebastião, no meio de um campo de futebol, a emissora montou pequenas quadras de basquete e vôlei, com cestas e redes de diferentes tamanhos. A ideia é que cada criança seja capaz de fazer uma cesta ou um ponto, independente de seu tamanho ou de sua habilidade.

Adriano Wilkson
Do UOL, enviado especial a São Sebastião (SP)
O jornalista viajou a convite da ESPN