Ele recebeu uma ligação de Silvio Santos, gritou “gol” e ficou milionário
UOL Esporte
27/02/2015 06h00
Silvio Santos apresentando o programa Golshow na década de 90 (Reprodução)
Elizeu Tabosa Fernandes Filho era um funcionário público de 44 anos acostumado a lidar com dinheiro. Diretor do Tesouro do Estado do Mato Grosso do Sul, ele tinha passado boa parte da vida adulta manipulando cifrões, fazendo contas, produzindo relatórios, escrevendo balanços, levando enfim a rotina banal da burocracia estatal.
Nas horas vagas, Elizeu também se mostrava uma pessoa suficientemente normal. Perdia horas vendo televisão (tinha cinco aparelhos em casa) e torcendo pelo Corinthians; ia à missa aos domingos, via futebol às quartas. Almoçava fora de casa sempre que possível.
Naquela noite, na noite em que se tornaria milionário, foi dormir antes das 23h. Sua filha mais velha, Janaína, disse que ficaria de pé mais um pouco porque tinha um trabalho de faculdade para terminar.
Quando Elizeu estava quase caindo no sono, foi resgatado dele por um grito de Janaína.
"Paaaai, telefone para o senhor!"
Semiacordado, Elizeu perguntou-se quem seria àquela hora. Certamente era um amigo provocador, um santista que ligava sempre que o Corinthians perdia. E naquela tarde o Corinthians havia perdido.
"Quem é?", perguntou ele, sonolento.
As próximas palavras fariam Elizeu pular da cama. "É o Silvio Santos", respondeu Janaína. "O Silvio Santos quer falar com o senhor."
***
Senor Abravanel, o Silvio Santos, estava do outro lado da linha sorrindo como sempre, cumprimentando Elizeu, perguntando de onde ele era, como estava, fazendo-o se sentir à vontade falando ao vivo em rede nacional.
Na frente do apresentador, havia uma estranha engenhoca. Era um canhão, um grande e pesado canhão, que precisava ser minuciosamente calibrado para, ao som da palavra "gol", disparar uma bola de futebol em direção ao… gol. Silvio Santos tinha comprado a tecnologia na Turquia.
O telespectador, selecionado depois de um sorteio, ficava no telefone e tinha dez segundos para gritar a palavra mágica e acionar o canhão, que se movimentava de um lado para o outro na tela. Se gritasse na hora errada, a bola iria para fora ou o goleiro defenderia.
A cada programa, Silvio convidava um goleiro profissional para tentar defender os chutes do canhão. Atrás da trave, a plateia fazia o papel da torcida e explodia toda vez que o canhão vencia o goleiro.
O chão do estúdio era verde como um campo de futebol. A todo momento, garotas em trajes minúsculos cortavam a tela carregando pompons e fazendo acrobacias em meio a chuvas de papel picado.
Silvio Santos dava prêmios como carros importados e dinheiro vivo para quem acertasse as redes ou, ainda melhor, partes específicas das traves. O dono do SBT achou que esse formato de programa, que ele batizou de Golshow, seria um sucesso no Brasil. E estava certo.
Toda semana, vários telespectadores ligavam para participar da brincadeira, que ficou no ar entre 1997 e 1998 e depois em 2002. Mas apenas um deles, Elizeu, ganhou o prêmio máximo: R$ 1 milhão. Até hoje ele não sabe como fez isso.
Como ele fez isso
Na correria para entrar no ar ao vivo, ele deixou de entender que ficaria milionário caso enfiasse a bola numa das duas cestas penduradas nos ângulos do gol. O gol era defendido por Edinho, o filho de Pelé, e jogava no Santos.
Para Elizeu, a brincadeira consistia simplesmente em vencer Edinho para ganhar um carro importado. Ele não sabia que havia um RS 1 milhão em jogo.
Quando o canhão começou a se mexer, e Silvio Santos disse que ele tinha dez segundos para gritar gol, Elizeu fechou os olhos, contou até três e gritou. Ele não viu para onde o canhão apontava e não percebeu onde a bola tinha entrado. Silvio Santos percebeu.
"Um milhão! É um milhão de reais! Ganhou um milhão!", repetia o apresentador, empolgadíssimo, enquanto no fundo subia o som de uma música animada e a tela era dominada por animadoras de torcida e pompons. "Não poderia ser um espetáculo melhor do que esse! Um milhão!"
"Foi uma loucura, eu não entendi nada, ele ficava repetindo 'um milhão' e eu perguntava pra minha mulher 'O que ele tá falando, que milhão?", lembra Elizeu.
Só depois de alguns minutos, Elizeu, a mulher e os filhos foram informados pela produção do programa que ele tinha tirado a sorte grande ao acertar o lugar mais improvável do gol, a gaveta, o ângulo, a forquilha, lá onde a coruja dorme, o ponto que dava R$ 1 milhão.
Milionário, Elizeu ficou acordado até 4h da manhã, apertando mãos, dando abraços, retribuindo acenos de quem passava na frente de sua casa para felicitá-lo. Todo mundo queria se contaminar com um pouquinho daquela sorte.
Duas semanas depois, ele estava viajando a São Paulo para conhecer Silvio Santos e receber dele um carro, uma televisão e um cheque no valor R$ 999.999,99.
Para completar o prêmio, Silvio Santos tirou do próprio bolso uma moeda de 1 centavo e a entregou ao novo rico.
Com o dinheiro, Elizeu comprou uma fazenda e começou a criar gado de reprodução. Hoje tem mais de 600 cabeças de uma raça muito nobre. A moeda de 1 centavo ele guardou, transformou em seu amuleto da sorte.
Se antes daquele pênalti tinha uma vida confortável, hoje não precisa mais se preocupar com dinheiro. Mesmo milionário, diz que nunca deixou de trabalhar. "O prêmio alavancou muita coisa na minha vida, me deu uma segurança maior, mas não mudou nada radicalmente", diz. "Você tem que ser muito centrado quando isso acontece. Se não fizer tudo com muito cuidado, uma hora o dinheiro acaba."
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O SBT sempre se orgulhou de ser "a TV dos milionários", por causa dos grandes prêmios dados por Silvio Santos a seus telespectadores. Até hoje, a emissora transformou sete pessoas em milionárias. Elizeu foi o primeiro.
Além do "patrão", estiveram à frente do Golshow o narrador Silvio Luiz e os apresentadores Luis Ricardo e Babi Xavier.
Luis Ricardo, que esteve na fase "moderna" da atração, depois de 2002, classifica como genial a ideia de Silvio de fazer um programa nesse formato no Brasil.
"Mesmo não tendo uma relação muito próxima com o futebol, ele conseguiu criar as melhores brincadeiras para reunir as famílias em torno da atração", conta ele. Além do canhão (o carro-chefe do Golshow), havia outras atividades no programa, todas criadas pelo "patrão". O programa chegou a ser exibido durante o Teleton e ajudou a arrecadar doações para instituições de caridade.
O apresentador também convidava jogadores profissionais para brincar no palco. Marcelinho Paraíba, Belletti, o goleiro Roger, além de Edinho, são alguns dos nomes que já participaram do Golshow.
No SBT, o programa é visto como um dos mais bem sucedidos dos anos 1990.
Adriano Wilkson
Do UOL, em São Paulo
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