Topo

Já ouviu mulher narrando futebol? Inglesa da BBC superou preconceito; ouça

UOL Esporte

10/02/2015 06h00


Olhos arregalados e riso solto, numa reação espontânea a um dos momentos mais marcantes da locução esportiva brasileira. Entre a surpresa e o sobressalto, Emma Jones, narradora da BBC de Londres, diverte-se ao ouvir pela primeira vez os célebres gritos "É tetra! É tetra! É tetra!" consagrados por Galvão Bueno após Roberto Baggio chutar fora o último pênalti da Itália e acabar, em 1994, com o hiato do Brasil de 24 anos sem levantar a Copa do Mundo.

Em posição de destaque em uma das maiores corporações de mídia do mundo, a jornalista de 43 anos recebeu a reportagem do UOL Esporte no histórico prédio da emissora pública britânica. Inserida em um meio predominantemente masculino, mas com crescentes oportunidades para mulheres, Emma diz enfrentar com naturalidade as barreiras da profissão. Comportamento tão genuíno quanto à gargalhada ao ser apresentada ao icônico símbolo da radiodifusão brasileira.

"Nitidamente ele é um apaixonado pelo Brasil, mas aqui os locutores têm uma distância maior dessa paixão. Como uma torcedora, eu gostaria de escutá-lo, é empolgante, mas como narradora eu tento ser mais comedida. É uma diferença cultural", reflete. "É claro que há certos jogos que nós também podemos fazer o mesmo e chegar a esse nível de empolgação, numa final de Copa do Mundo principalmente. Talvez poderíamos ficar mais empolgados se a seleção da Inglaterra fosse melhor".

A londrina de fala vibrante encarou o jornalismo depois de cogitar estudar medicina e artes cênicas. Formou-se na Universidade de Westminster e, após trabalhar em algumas rádios locais, iniciou a trajetória na BBC em 2000 como repórter de notícias gerais. Seis anos depois, foi convidada para ser narradora, na mesma plataforma. "Treinei a narração fora do ar durante oito meses. Narrei muitos jogos no nosso estúdio só para praticar, percebi uma evolução e pensei 'Por quê não fazer isso no ar?"'.

Atualmente, além da cobertura das partidas dos times da capital, é responsável por boletins esportivos diários. Tarefas para a TV são esporádicas. "Eu amo o rádio, porque é instantâneo. Se estou em algum lugar e algo acontece, posso falar diretamente com o meu ouvinte, não preciso me preocupar com imagens ou cenário. Especialmente no esporte, se algo emocionante acontece, como um gol, posso fazer essa ligação direta e fantástica com o público".

Emma Jones, narradora da BBC de Londres, já sofreu preconceito pela função Imagem: Caio Carrieri

O apreço por esportes surgiu ainda na infância, em Jidá, na Arábia Saudita, onde morou dos cinco aos 13 anos. "Como estudei em uma escola norte-americana, fiz vários esportes: basquete, vôlei, atletismo, esses que as crianças norte-americanas costumam praticar. Eu jogava futebol ocasionalmente, mas sempre vivi no mundo dos meninos. Até de skate eu gostava", relembra. "Descobri a paixão pelo futebol sozinha, sem a influência dos meus pais, mas hoje eles amam futebol e perguntam com grande interesse 'Você viu o Tottenham no fim de semana? E o West Ham?"', diz a torcedora do Fulham, rebaixado para a segunda divisão no ano passado e sem perspectivas de conseguir o acesso à elite nesta temporada.

"Já gostei bastante de Fórmula 1. Eu curtia ver o Senna, mas agora não é tão empolgante como era antigamente. O Senna era surpreendente e impressionante, porque arriscava e fazia coisas que os outros pilotos não conseguiam. Mas era um tempo em que a Fórmula 1 era muito mais perigosa, como foi com ele. Falo isso com muita tristeza".

Emma não precisou ir muito longe de casa para se ver no auge da profissão. "Tive a sorte suficiente para cobrir as Olimpíadas de Londres para a BBC, de estar no Estádio Olímpico e assistir ao Usain Bolt correr os 100 metros" comemora ela, que assistiu in loco ao jamaicano bater o próprio recorde olímpico de 9s63 e conquistar a medalha de ouro. "Também sou privilegiada de ver um dos melhores níveis de futebol do mundo toda semana, de ter ido a finais de Liga dos Campeões e Copa da Inglaterra".

Embora se sinta realizada ao acompanhar – e narrar – as diversas modalidades que Londres oferece para os amantes de esporte, Emma já foi vítima do preconceito de gênero."Já recebi mensagens no Twitter do tipo "Por que você não está em casa lavando a louça?", relata. "Mas ultimamente as reações dos meus ouvintes são muito positivas. A minha confiança e a minha competência para desenvolver o meu trabalho são a resposta para qualquer comportamento inadequado".

Engajada e otimista sobre a isonomia de oportunidades para mulheres na indústria do futebol, a narradora frequenta os encontros promovidos pelo "Mulheres no Futebol", grupo de profissionais (jornalistas, diretoras, assessoras) que se reúne para compartilhar experiências e encorajar iniciantes na área. "Um emprego no meio esportivo está cada vez mais concorrido e, quando alguém consegue uma vaga, não larga tão cedo".

De 120 pessoas no conselho da Football Association (FA), a entidade que controla o futebol da Inglaterra, apenas seis são mulheres. Pesquisa divulgada em março de 2014 pelo "Mulheres no Futebol" constatou que 66% das integrantes da associação já testemunharam sexismo no ambiente de trabalho.

"Tenho convicção de que eu posso fazer qualquer coisa, menos jogar pelo Arsenal do Arsène Wenger num sábado à tarde (risos)".

Caio Carrieri
Do UOL, em Londres (Inglaterra)

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Já ouviu mulher narrando futebol? Inglesa da BBC superou preconceito; ouça - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o Blog

A TV exibe e debate o esporte. Aqui, o UOL Esporte discute a TV: programas esportivos, transmissões, mesas-redondas, narradores, apresentadores e comentaristas são o assunto.


UOL Esporte vê TV