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Ex-Globo, César Augusto quer contar histórias de dores de barriga da TV

Marcelo Tieppo

07/07/2019 08h00

César Augusto tinha 17 anos de TV Globo, duas Copas do Mundo (98 e 2002), uma Olimpíada (96) e duas temporadas de Fórmula 1 no currículo, quando decidiu deixar o Brasil para passar um tempo nos Estados Unidos, ao lado da mulher, a também repórter Luciana Demichelli. A ideia era ficar só um ano. "A gente foi para Los Angeles e queria aprender a parte técnica, a edição e voltar. Pedi para o meu contrato ser suspenso, mas o diretor de esportes na época, o Marco Mora, falou que ia encerrar o contrato porque tinha certeza que a gente não ia voltar." E o diretor, que faleceu no ano passado, estava certo. César e Luciana ficaram 16 anos nos Estado s Unidos e agora estão de mudança para Portugal.

A aventura norte-americana do casal rendeu dois filhos, reportagens que foram além do esporte e uma nova profissão para César Augusto: narrador. "Comecei a narrar tênis feminino pelo Canal Sony há uns três anos. Desde março, tenho narrado tênis, Fórmula 1, motovelocidade, boxe, futebol e kick boxing pela Dazn", afirma o repórter, que continuou colaborando com a Globo durante todo esse período. Na entrevista para o Uol, César relembra entrevistas históricas como a que fez com Evander Hollyfield, após ele ser mordido por Mike Tyson, com Leandrinho, que dormiu no vestiário quando foi contratado pelo Phoenix Suns, em 2003, e sobre a ideia de escrever um livro "As maiores cagadas da TV brasileira", que, ao contrário do que o título pode sugerir, não se refere a erros nas reportagens, mas a dores de barriga que aparecem em horas inoportunas.

Férias frustradas

A ideia de sair do país e buscar novos ares começou a amadurecer quando Cesar Augusto já namorava com Luciana Demichelli e os dois tentaram tirar férias juntos. "A chefia disse que não podia perder dois repórteres de uma vez e não conseguimos sair de férias. Isso fez a gente amadurecer a ideia de passar um tempo fora."

Em 2003, eles partiram para os Estados Unidos. "A gente ia ficar só um ano, mas um dia a Luciana mandou um email para o Amauri Soares, que tinha sido chefe na Globo e estava em Nova York como CEO da Globo Internacional, propondo um programa que contasse a vida dos brasileiros no Estados Unidos. Ele disse que já tinha esse projeto, mas que os candidatos não tinham sido aprovados. Pra nossa sorte, a produtora ficava na Califórnia e começamos a fazer o Planeta Brasil, o primeiro programa da Globo Internacional."

"Um ano depois, o Amauri disse que a gente tinha ido onze vezes para Nova York, em um ano, e propôs que a gente se mudasse pra lá, com aumento de salário. Bom, pensamos: vamos ficar mais um ano então. Depois, veio a Copa do Mundo da Alemanha e nós dois participamos da cobertura. Aí a Lu engravidou. Em 2007 deixamos o Planeta Brasil, porque a gente viajava muito pra Grécia, pro Japão, pra Holanda."

"Mas alcancei meu objetivo. Hoje além de repórter, eu sou câmera, editor, faço narração. Costumo brincar que é só me dar uma mochila que eu viro uma TV."

Holyfield, Leandrinho e Scheidt

Em 1997, Cesar Augusto viajou para Las Vegas, nos Estados Unidos, onde foi acompanhar a luta entre os pesos-pesados Mike Tyson e Evander Holyfield. O combate, que era uma revanche da derrota sofrida por Tyson, ficou marcado pela mordida que Holyfield sofreu do adversário. Ele teve um pedaço da orelha arrancado e foi parar no hospital.

O repórter chegou com a equipe antes mesmo do lutador. "Quando ele chegou só a gente estava lá, tentamos gravar, mas ele falou que só daria entrevista depois do atendimento médico. Nisso a imprensa do mundo inteiro chegou ao hospital. O Holyfield saiu e disse que tinha prometido falar com a gente. Respondeu duas ou três perguntas minhas e só depois começou a dar entrevista para os outros repórteres", relembra César.

Outra entrevista marcante foi com Leandrinho. César Augusto já estava nos Estados Unidos, quando o ala-armador foi contratado pelo Phoenix Suns. O craque do basquete brasileiro revelou detalhes da sua chegada ao mundo da NBA. "Quando ele entrou no ginásio não quis mais ficar no hotel. A hora que o Leandrinho conheceu o vestiário da equipe, viu o nome dos caras na parede e uma televisão enorme, pediu para dormir ali mesmo."

"O Leandrinho ia treinar de bicicleta, morando nos Estados Unidos. Isso para os caras era inconcebível. Um dia ele saiu do treino e tinha uma BMW no lugar da bicicleta, que eles jogaram no lixo. O filho do dono do Phoenix Suns era fã do Leandrinho. Os caras adoravam ele."

Na cobertura dos Jogos Olímpicos de Atlanta, César Augusto passou maus bocados quando teve que cobrir uma regata de Roberto Scheidt. "Eu passo muito mal em barco. Quando vi aquele barquinho da imprensa já comecei a sofrer. Uma hora perguntei como estava a regata e me responderam que tinha que esperar o vento. Pra mim já tinha começado. Vomitei escondido uma hora. Mas depois só fiquei na terra, onde inclusive o resultado chegava mais rápido do que no mar. O cinegrafista fazia as imagens e depois eu escrevia a matéria."

Novos tempos na Globo

César Augusto pratica jiu jitsu e adora cobrir lutas de MMA, mas deixou de acompanhar a modalidade pela Globo há mais de um ano. "Depois da junção da TV com o Sportv, eles começaram a usar a equipe que já cobria pelo canal Combate. E ás vezes, quando não usam alguém daqui, por causa do dólar ainda sai mais barato pra Globo trazer equipe do Brasil do que me contratar. Nesse aspecto, houve uma mudança."

"Em relação a outras matérias para o esporte, deu uma parada mais do nosso lado do que do deles. Sempre fui eu que ofereci mais pautas. Só que como temos investido em outras coisas, dei uma tirada de pé, porque hoje a minha prioridade é a família. Não quero mais cair naquela rotina trabalho, trabalho, trabalho. Se meu filho vai jogar basquete, eu me programo pra vê-lo jogar."

"Recentemente, fizemos uma série para o programa "Como Será". A gente propôs e foi muito legal. Mostramos um brasileiro dentista, um outro que faz distribuição de alimentos para sem teto. Essas histórias me comovem. Tenho virado um chorão, fiquei muito mais sensível."

"No esporte, a gente chama o cara de herói, de guerreiro. Fiz entrevista com os maiores atletas: Pelé, Phelps, mas conhecer a realidade dos brasileiros que vieram buscar um futuro melhor mexe demais comigo. Esses caras é que são heróis. O que tem de brasileiro que se arrisca para atravessar a fronteira do México é impressionante. É cada história de gente que sai do país não porque não pode pagar uma escola, mas porque não tem dinheiro pra comprar um lápis. E muitos deles vivem muito bem hoje aqui."

"Decidimos ir pra Portugal para que os nosso filhos conheçam também uma outra realidade. Aqui é maravilhoso, mas é um ambiente muito competitivo. Dois anos atrás, fomos de carro até Atlanta. Comentei com a Luciana, que se morássemos em Portugal com o mesmo tempo de viagem a gente teria chegado em Paris, passando pela Espanha no meio do caminho. Vai ser bom pra eles viver em outro ambiente, sem a correria que é morar nos Estados Unidos."

Planos em Portugal

"Não mudamos por questões profissionais. Por isso temos várias ideias, mas nada de concreto. Nos Estados Unidos, trabalhamos muito fazendo vídeos para pequenos empreendedores a preços acessíveis. Devemos tentar algo parecido em Portugal. Além disso, pensamos em fazer programas on line, trabalhar como produtora. Também já falei com o pessoal do esporte da Globo para continuar colaborando com eles."

"Quando comecei a narrar pela Dazn, já tinha decidido me mudar para Portugal e avisei pra eles. A ideia é que a parceria continue, mas não há nada oficial. O esquema é muito diferente de uma TV tradicional. Você vai narrar uma luta de boxe, por exemplo, e nos estúdios eu narro pro Brasil e tem um outro cara do lado, narrando pra Espanha. Aí o cara da técnica fala em espanhol, e o coordenador, que fica na Inglaterra, fala com você em inglês."

O livro das maiores cagadas da TV brasileira

César Augusto tem planos de lançar um livro sobre as maiores cagadas da TV brasileira. Além de ser protagonista de algumas delas, ele também tem histórias da mulher Luciana Demichelli e de outros jornalistas, como a correspondente Heloísa Vilella. "Impressionante como com todo jornalista que eu converso sempre tem uma história boa de dor de barriga. A ideia do livro é contextualizar a dor de barriga com o evento que o repórter estava cobrindo."

A história de César Augusto ocorreu, em Mar Del Plata, em 1999, quando ele foi cobrir a fase final da Liga Mundial de vôlei. A seleção brasileira iria fazer o último treino antes da semifinal contra Cuba. A equipe sempre acompanhava a delegação, mas dessa vez o repórter, que começou a sentir dor de barriga por causa de umas empanadas que havia comido no almoço, pediu para que o motorista acelerasse rumo ao ginásio.

"Entrei no banheiro aliviado, mas logo descobri que não tinha papel. Só que em frente havia um banheiro grandão, todo bonito. Quando estava quase no fim, ouvi um barulho: eram os jogadores da Seleção Brasileira. Eu tinha entrado no vestiário deles. O Ricardinho, que era o levantador do time gritou: `P.Q.P, como esses argentinos cagam fedido'. Encolhi os pés para não ser identificado pelo sapato e tive que esperar eles irem para o ginásio para sair do banheiro."

Além da dor de barriga, ninguém tira da cabeça de César Augusto até hoje que ele foi um dos responsáveis pela derrota da Seleção, que perdeu para Cuba por 3 sets a zero no dia seguinte.

Despedida com champanhe do Guarani

César Augusto é torcedor do Guarani, de Campinas, e embora não acompanhe o time assiduamente, tem sempre a língua afiada quando recebe uma provocação de um torcedor da Ponte Preta. "Outro dia veio um me provocar, dizendo que enquanto o Guarani teve que vender o estádio, a Ponte tinha planos de transformar o Moisés Lucarelli em Arena. Falei que achava isso muito legal, que depois do estádio, só ia faltar formar um time e quem sabe um dia ganhar um título."

"Ganhei uma vez da minha mãe um champanhe do Guarani. É com ele que vou brindar o meu final de ciclo aqui nos Estados Unidos", diz o repórter, soltando uma gargalhada.

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