Topo

Renata Cordeiro relembra assédio na TV: "jogador passou mão no meu peito"

UOL Esporte

01/12/2018 04h00

Crédito: Divulgação/Fox Sports

SBT, Sportv, Bandeirantes, Record e, por último, Fox Sports. A jornalista Renata Cordeiro rodou as emissoras brasileiras cobrindo esporte, área em que jamais esperava atuar na carreira. Mas cansou. Depois de deixar o canal fechado em 2017 sem sequer ser comunicada, a apresentadora largou tudo no Brasil e seguiu para Portugal, onde hoje mora com o marido.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Renata Cordeiro admite enorme decepção com o canal em que atuou desde 2012 e revela outras passagens não tão agradáveis na carreira – como um caso de assédio na TV Record em que, segundo ela, um ex-jogador do Corinthians passou a mão em seu peito. E não só uma vez.

"O meu contrato acabou no dia 30 de junho de 2017. A Fox não me demitiu, ela simplesmente não me deu um telefonema para dizer 'olha, acabou o seu contrato', ou 'não acabou'. Não disse nada, absolutamente nada. Bonito, né? Eu fiquei muito chateada, fiquei uma semana de cama, com dor na coluna, porque você tem insônia, né… Ninguém ligou para mim. Aí como eu tinha roupas e maquiagem na TV eu mandei um e-mail para o Márcio Moron [vice-presidente de produção da Fox] pedindo autorização para ir lá buscar, e o Moron até respondeu: 'não, de repente a gente vai querer ficar com você', e eu falei: 'então tá, me manda o contrato', e nunca mandaram, e assim ficou", revela a jornalista, que não encontra motivos para a sua saída.

"Eu não tenho muita ideia porque é assim, uma coisa eu vou te falar com toda sinceridade: durante um tempo da vida da gente, a gente fica pensando assim: 'será que eu faço bem o que eu faço'? 'Ah, será que eu sou bom'? E uma coisa que hoje eu tenho muita consciência é da minha capacidade profissional, até por muitas coisas que eu passei, por muitas situações que eu passei, com alguns chefes. Até com o próprio Edu Zebini [chefe de conteúdo dos canais Fox], ele falou: 'olha só, eu sei que você segura, então vai lá e faz', então por isso eu tenho muita tranquilidade em relação ao meu lado profissional, eu sei que, se for o caso, se eu for chamada para fazer qualquer coisa, eu vou lá, faço e dou conta. Então eu não sei se tem a ver com a idade, honestamente eu não sei. Começaram a me colocar meio de escanteio e tal e, de repente, foi isso. Mas de qualquer forma eu acho muito feio porque eu acho que qualquer coisa tem que ser conversada. Mas enfim, cada um age do jeito que achar melhor. Eu achei deselegante", diz.

TV hoje prioriza beleza ao conteúdo: "isso me entristece"

Mas a insatisfação de Renata Cordeiro não é apenas com a Fox, mas sim com o rumo que o jornalismo vem tomando – especialmente na TV, onde, segundo ela, a beleza vem se sobressaindo ao conteúdo: "Isso existe e é muito forte. A gente passa por isso muitas vezes e eu nunca permiti, por exemplo: 'sh, usa uma saia mais curta na apresentação do programa', 'ah, faz uma matéria de biquíni'… Não, eu não vou fazer, eu não estou vendendo o meu corpo, eu estou vendendo a minha capacidade profissional, o meu conteúdo profissional, então eu acho isso muito importante. Eu vejo, infelizmente, que as pessoas têm muito ainda essa coisa da beleza. Se a pessoa é bonita, que legal, mas você não pode abrir mão de conteúdo".

Aos 48 anos e com uma considerável bagagem profissional, Renata preferiu dar um basta e mudar o rumo de sua carreira profissional – hoje ela tem dado dicas pelo mundo nas redes sociais e sonha em dar aulas para quem busca a carreira de apresentadora em televisão (leia mais abaixo).

"Cansei, joguei o chapéu. Essa ideia que você tem que estar escravo de beleza, escravo de se estão achando você velho ou não, isso me entristeceu muito nesses últimos anos, e essa coisa que eu falei, você ter conteúdo e uma pessoa que às vezes tem menos conteúdo que você ter mais valor porque é mais bonita, isso me entristece. Só que não adianta, eu não vou mudar o mundo, eu mudo a minha história. E eu vim aqui para Portugal", acrescenta.

Segundo a jornalista, a questão da beleza como uma das exigências para trabalhar na televisão acaba prejudicando mais as mulheres que trabalham com a profissão.

"A busca é sempre por pessoas mais novas, meninas mais novas… Eu acho que até para o homem isso está começando a acontecer. Eu conheço alguns profissionais extremamente gabaritados, mas até por serem muito gabaritados não estão sendo chamados para trabalhar. Eu conheço alguns jornalistas que eu considero muito e que estão desempregados. Mas com mulheres isso é muito mais forte, essa exigência da idade é muito grande", lamenta.

Caso de assédio com ex-jogador: "passou a mão no meu peito"

Ao comentar sobre o forte machismo que há na televisão hoje em dia, Renata Cordeiro citou um caso em que sofreu assédio sexual de um ex-jogador do Corinthians. A jornalista disse não se lembrar do nome do atleta, mas contou como tudo aconteceu: "Na TV Record eu passei por assédio uma vez no programa do Milton Neves. Um atacante do Corinthians passou a mão no meu peito, foi horrível. E por incrível que pareça eu não lembro o nome dele. Foi um cara que até brilhou uma época no Corinthians, fez alguns gols, e depois desapareceu, escafedeu-se".

"Ele veio se despedir de mim e, como ele fosse pegar no meu braço, ele passou a mão no meu peito. Eu achei que ele tinha feito sem querer, e eu pensei: 'ah, numa boa, acontece, a pessoa pode esbarrar, normal', enfim… Aí na segunda vez, por prevenção, eu botei um casaco por cima, só nos ombros, e ele veio por dentro e passou a mão de novo, como se nada houvesse, aí eu pensei: 'cara, que chato'. Eu não falei para o Milton Neves, não. Engraçado, eu até comentei isso com o meu marido. Eu não deveria, mas a mulher fica tão envergonhada com essa situação, e aquilo ficou me consumindo. Isso é um absurdo, né? Isso me enraiveceu", acrescenta.

Em contato com a reportagem, o Fox Sports informou que não se pronunciará sobre o caso.

Saída do SporTV: "mulheres não podiam apresentar mais"

Extremamente sincera durante o longo papo por telefone, Renata Cordeiro revelou também o motivo que a fez deixar o canal SporTV. Ela chegou à emissora em 1996 para cobrir as Olimpíadas de Atlanta, nos Estados Unidos, e ficou lá por cerca de oito anos. Aos poucos, porém, foi convivendo com alguns fatores que não a deixaram mais à vontade.

"Eles resolveram que mulheres não podiam apresentar mais, na época do Troca de Passes – era Troca de Passe -, e eu pensei: 'ae tem este tipo de determinação, vai daí para pior, né'? Então eu não posso perder um espaço que eu tinha conquistado. Eu já fazia o SporTV News, fazia o Troca de Passe, o programa com o Armando Nogueira, eu já fazia tudo, e isso me deixou muito desestimulada com a SporTV. Teve essa mudança porque mudou a diretoria, e aí foi dito isso, que mulher não faria mais, então eu fiquei desanimada com algumas mudanças que estavam tendo e foi a gota d'água; e eu não quis mais brincar disso", diz.

00

VEJA MAIS TRECHOS DA CONVERSA:

Como foi parar na TV: "achei que era teste para secretária"

Eu fui trabalhar em televisão porque um amigo, o André Camarão, lá de Campinas, sabia que eu estava desempregada e me chamou: 'Renata, eu preciso de alguém para dar alguns telefonemas'. E eu, com 20 anos, na minha ignorância, pensei: 'Ah, isso é para ser secretária', mas na verdade era para ser produtora. A menina que foi fazer uns testes, que era escalada para fazer os programas e já era jornalista, não deu certo, e aí eles resolveram fazer testes com todo mundo, da mocinha do café à filha do diretor, e eu entrei, e foi muito impactante porque, para mim, aquilo foi muito natural. Eu nunca tive aquela vaidade: 'Ah, eu quero ser apresentadora', isso nunca passou pela minha cabeça. Então foi assim, eu fui lá, fiz o teste e eles gostaram. Só que eu tive um problema familiar e não pude fazer os pilotos, aí entrei no ar ao vivo sem TP, sem ponto, e fui com a cara e a coragem [risos]. Isso foi no SBT de Campinas.

A chegada ao Sportv: "nunca pensei fazer esporte"

Um advogado que é meu amigo até hoje falou: 'Eu conheço um amigo que o amigo dele é do Sportv', aquelas coisas, 'me dá a sua fita que eu vou mandar para ele', e aí eles gostaram. Na verdade eles mostraram para a Letícia Muhana, que era diretora do Sportv e do GNT, e ela estava indo para montar a Globo News, eu ia ser a primeira apresentadora da Globo News, no jornal da noite, só que chegou na hora H – eu até estava trabalhando e pedi demissão do emprego, porque já estava tudo certo – e a Letícia me ligou, no meio de um Carnaval, e me falou: 'Renata, eu não estou mais na Globo News, quem está é a Alice Maria, e de maneira geral a Alice Maria contrata quem fez o curso dela'. Eu fiquei sem chão. Aí o Manduca, que é o filho do Armando Nogueira e a quem eu devo a minha entrada no SporTV, falou: 'Já que você não vai para lá, vem para cá durante as Olimpíadas [1996]. Aí eu comecei a trabalhar no Sportv, só que era para trabalhar só nas Olimpíadas. E por sorte, enfim, o marido de uma das apresentadoras de lá foi transferido para os Estados Unidos e ela foi junto… E eu fiz um teste e acabei ficando no lugar dela, foi tudo muito por um acaso. Eu nunca pensei fazer esporte.

Machismo: "ex-jogador disse que eu dava opinião demais"

Nesses últimos anos, por incrível que pareça, eu sofri mais isso do que no início, de ter jogo importante, um Barcelona e Real Madrid, e me tirarem e colocar um homem; de um ex-jogador importante ter uma discussão comigo na hora do intervalo porque eu dava opinião demais, porque não era para eu dar opinião… Isso na Fox. Eu não vou falar porque eu tenho medo de processo, uma coisa assim, não sei se posso falar, mas foi um ex-jogador que falou uma coisa desse gênero, que eu dava opinião demais. Eu fiquei olhando para ele e: 'Ué. Eu estou aqui para quê, né'? E tem outro preconceito que eu acho que a mulher sofre, e isso é uma constante: a mulher tem que ser jovem, tem que ser magra e tem que ser bonitinha. O homem pode ser careca, barrigudo, com dente torto [risos], o que seja. Mas a mulher, não.

Abriu espaço para Renata Fan na Band: "acho ela ótima"

O Kajuru é um cara que eu gosto muito, e na Band eu fiquei pouco tempo, acho que fiquei um ano mais ou menos, porque eles queriam que eu fosse morar em São Paulo e eu tinha os meus compromissos no Rio de Janeiro, e não tinha como. Aí eu saí da Band e fui para a Record do Rio, e na Record eu fiquei uns sete ou oito anos também. Eu cheguei a ser chamada para ir novamente para a Bandeirantes, e como eu não fui, eles chamaram a Renata Fan. Eles queriam fazer um programa na hora do almoço, mas aí eu teria que morar em São Paulo e tudo mais. Eu até pensei, balancei, mas não tinha como, eu tinha algumas coisas amarradas no Rio e não fui. Eu acho a Renata ótima. Ela é uma menina dedicada, correu atrás para aprender várias línguas, vê vários jogos, coloca para gravar… Ela é completamente dedicada e eu acho isso muito legal.

Futuro em Portugal: "dar aula para apresentação de TV"

Eu gostaria de dar aula para apresentação de TV, porque é uma coisa que eu adoro e eu gosto muito, do uso da voz. Eu penso que as pessoas muitas vezes não sabem usar tão bem a voz, então eu adoraria trabalhar com isso. Eu cheguei aqui em janeiro deste ano. Antes vim em setembro de 2017 para o meu marido conhecer e voltamos para morar. Agora eu estou reformando o apartamento, fui expulsa pelos pedreiros para esta reforma [risos], então como a gente está nessa correria eu acabei não indo atrás disso, mas eu tenho muita vontade.

Por Marcello De Vico e Vanderlei Lima
Do UOL, em Santos e São Paulo

Sobre o Blog

A TV exibe e debate o esporte. Aqui, o UOL Esporte discute a TV: programas esportivos, transmissões, mesas-redondas, narradores, apresentadores e comentaristas são o assunto.