Sem "pranchetismo", Xico Sá fecha com ESPN e chega com estilo de torcedor

Jornalista e escritor, Xico Sá é o novo reforço da ESPN para a cobertura da Copa do Mundo. Aos 55 anos de idade, o cearense chega à emissora apaixonado por mesas redondas, mas sem grande interesse em participar de análises táticas. Contra o "pranchetismo", quer basear seus comentários em emoções de torcedores e em histórias com personagens ricos.

Xico trabalhava no SporTV, mas resolveu acertar o desligamento da empresa para voltar a morar em São Paulo. Residente da região em que fica a redação da ESPN, o jornalista agradece a oportunidade na antiga emissora, que o ajudou a voltar seus comentários na direção oposta do que ele chama de "pranchetismo".

"Minha história no SporTV foi muito boa porque eu estive sempre em programas que batiam muito. Programas que acabaram, como o Extraordinário, que foi só durante a Copa. Mas o Redação, eu amo entender e acompanhar a cobertura da imprensa. Fiz com dois caras geniais, maravilhosos, por quem eu tenho uma tabelinha muito boa de conversa, que é o Rizek e agora peguei a gestão do grande Barreto. Então, eu joguei muito no meu ambiente. Acho que sempre me escalaram onde achavam que eu ia render mais. Talvez, se me botam lá com a turma da prancheta, eu ia tirar um pouco onda porque eu não sou a favor do pranchetismo", disse Xico, ao UOL Esporte.

"Amo o PVC, os caras que levam mais a fundo essa história desses estudos. Sou fissurado em tentar entender o que eles falam como qualquer torcedor, mas eu sou mais da zoação do torcedor, de tentar entender o comportamento, a loucura que o futebol gera, sabe? E não estratégias. Você pega o próprio PVC que eu falei, pega o Mauro Cezar, pega o Tostão. Você pega uns caras que sacam, e os caras são uns gênios. Um Lédio Carmona. Você pega os caras que são do ramo, e eles trituram isso de uma forma bonita. Eu acho bonito como espectador. Mas sou incapaz, e às vezes tenho dificuldade de entender porque eu não vi aquele jogo. Às vezes eu não vi aquele jogo que os caras falam. Até porque eu quero ver o futebol. Quem fica prestando atenção nas duzentas linhas de quatro não vê o jogo, cara. A cada hora que o torcedor enfileirar quatro, ali, eu perco uma bola, perco o jogo. Ou eu, que gosto muito de ir para o estádio também, perco a zoação da arquibancada, que é o que me interessa. Mais do que os caras que manjam para valer", completou.

Por ter posicionamento político claro e assumido, Xico teve de lidar muitas vezes com a seguinte pergunta: como um jornalista de esquerda poderia trabalhar em uma emissora que pertence à Globo, que costuma ser acusada de conservadorismo? Bem-humorado, o comentarista afirma que o questionamento é válido, mas deixa claro que seus empregadores nunca foram capazes de mudar sua visão sobre a profissão.

"Eu acho que eu também, em casa, tiraria essa onda comigo mesmo. Porque é justíssima. É uma boa discussão. Mas eu fiquei pensando. Comecei trabalhando no Jornal do Comércio, no Recife. Eu nunca trabalhei em um lugar em que eu aceitasse as ideias. Eu não sou contratado para minhas ideias baterem com as ideias da casa. Muitas vezes eu sou mais contratado para levar um frescor ou uma ideia contrária. Ou eu entrei no Jornal do Comércio para pensar igual aos caras da Usina (risos)? Nós vendemos, alugamos, emprestamos, terceirizamos nossa mão de obra para trabalhar em qualquer lugar. Trabalhei muito em jornal alternativo de esquerda e também quebrava o pau. Eu era contra os caras também. Acho que é mais interessante ter um cara que conteste, que leve outra coisa. É mais interessante, mais democrático que aquela coisa bovina, de aceitar tudo e tal", refletiu.

"Você não vai trabalhar em um lugar para assinar a cartilha do dono do lugar, você vai para render no que ele espera de ti. Mas hoje em dia tem uma pobreza de pensamento em rede social que é isso. 'Ah, o cara pensa assim e trabalha ali'. Vou trabalhar onde? Em uma hidrelétrica? Sou jornalista, tenho que trabalhar nas empresas jornalísticas", concluiu.

Em sua estreia na ESPN, Xico vai participar de mesas redondas como fazia no SporTV. O jornalista estreou na televisão no Cartão Verde, programa do tipo promovido pela TV Cultura. Na ocasião, a ideia era colocá-lo ao lado do ex-jogador Sócrates.

"Fiquei um tempo sem fazer mesa redonda, sem dar meus pitacos, e eu achava que tinha uma cura fácil. Fui fazer TV muito por conta do Doutor Sócrates. O Vladir Lemos, da TV Cultura, fazia o Cartão Verde, e falou: 'eu quero colocar você e o Doutor Sócrates em uma mesma mesa'. Continuei escrevendo, eu estava na Folha na época, mas eu me achava a coisa mais antitelevisão do mundo. Ainda acho um pouco. Achava que eu tinha nascido para escrever, para ser um velho batuqueiro ali de redação. E foi por conta do Sócrates que acabei em uma mesa redonda. E toda vez que dou um intervalo, acho que vou voltar a só escrever, mas não. Acabo sentindo falta. Sou viciado em mesa redonda. Vejo duzentas por dia, e achava que poderia viver sem isso. Mas é maior do que eu", brincou.

Na ESPN, o foco de Xico segue sendo o mesmo: comentários baseados no lado humano, com emoções de torcedores e personagens marcantes. Sua estreia será já nesta sexta-feira (18), às 21h, quando o jornalista participará do Linha de Passe da ESPN Brasil.

"Eu gosto de estar dando meus pitacos, que normalmente são pitacos mais de torcedor. Eu me acho mais um cara no boteco tirando uma onda de comentarista do que um cara de televisão, com uma formação, com repertório adequado. Acho que sou um bicho estranho dentro de uma mesa redonda porque eu acho que incorporo muito a onda da esquina, a piada sobre o Palmeiras ou Corinthians que acabou de rolar na padaria. Acho quer eu sou esse cara que leva esse tipo de comentário para a televisão. E, claro, com Copa do Mundo pela frente, o entusiasmo é gigante", declarou.

Fã declarado da seleção brasileira que jogou a Copa do Mundo de 1982, Xico Sá mostra otimismo com o time titular da seleção brasileira, especialmente Gabriel Jesus, quem ele considera candidato a personagem do Mundial de 2018.

"As coisas, principalmente no futebol, podem não dar certo. A bola pode resvalar na canela do zagueiro e entrar. Futebol é muito mais que qualquer estratégia, é muito mais do que Guardiola, é muito mais do que Tite. Futebol tem essa cota maravilhosa do acaso. Mas acho que a gente deve ter esse cuidado, assim como não tivemos – isso no geral, eu me colocando muito como também fazendo parte desse time – em 2014. No geral, fomos muito otimistas. Na véspera do jogo contra a Alemanha, a gente estava mais para endeusar a alegria nas pernas do menino lá do Galo do que 'vem cá, será? Esse time da Alemanha será que vai permitir essa alegria toda nas pernas do menino do Brasil?"', relembrou.

"Esse cuidado eu acho que a gente tem que ter em relação ao Tite. Em relação a qualquer um, ao Guardiola. Se o Guardiola fosse treinador da minha seleção, eu ia ficar 'ih, rapaz, esse cara… essa prancheta, não sei não'. Isso é um bom cuidado do jornalismo em geral. Seja qual assunto for. Por acaso, estamos falando de futebol, que é a melhor coisa do mundo. Mas pode ser em relação a qualquer outro assunto", finalizou.

Por Lucas Pastore
Do UOL, em São Paulo

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