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Casagrande relembra acidente, fala de vício e critica ação na Cracolândia de São Paulo

UOL Esporte

29/06/2017 07h51

Casagrande no Conversa com Bial (Reprodução/TV Globo)

Levado ao ar na madrugada desta quinta (29), o Conversa com Bial, programa de entrevistas da Rede Globo, recebeu dois ex-jogadores dependentes químicos, o comentarista da emissora, Walter Casagrande, e Paulo César Caju, que falaram sobre as experiências que tiveram e o momento livre das drogas. Entre vários depoimentos ali, Casão fez duras críticas à ação da atual gestão João Doria da  Prefeitura de São Paulo na região conhecida como "Cracolândia", no centro da cidade.

"Tinha que se tomar uma atitude para acabar com aquilo, mas eu não concordei com o modo que foi, ficou parecendo extermínio", detonou em resposta à pergunta do comandante da atração, Pedro Bial, sobre o assunto. "Não pode chegar num lugar que tem doentes, dependentes químicos, que estão jogados, até passando mal, precisando ajuda, com trator e polícia, derrubando prédio em cima da cabeça dos caras. Não concordo com esse tipo de ação", enfatizou.

"Tem que chegar de uma maneira de se levar a ajuda da saúde pública, com ambulância, polícia para pegar os traficantes, como fizeram, mas aquelas pessoas ali precisavam ser acolhidas, precisam de apoio. Dependente químico não é bandido, não é marginal, como muita gente da sociedade pensa. Aquilo ali (na Cracolândia) é uma doença, os caras não estão ali porque eles querem, estão porque não conseguem sair e são viciados na pedra do crack, então não conseguem fazer outra coisa. Se pudessem fazer uma escolha, com certeza não seria ficar ali, seria estar em outro lugar. E isso gostaria de mostrar, que existe uma luz no fundo do túnel. Muitos lá pensam que a vida deles é assim: 'Ah, eu sou assim, mesmo, nunca mais vou mudar'. Pô, vai mudar, sim, pode mudar, eu mudei, o PC (Caju) mudou, tantas outras pessoas mudaram, tem condições de fazer isso. Só que tem que ser com carinho, com respeito, mostrar que a vida pode ser diferente, não quebrando prédio em cima da cabeça dos caras", argumentou o ex-jogador.

Ao longo do bate-papo, o tema "vício em drogas" se fez presente, com ambos os ex-jogadores contando suas histórias. De cara, Casagrande falou sobre como é difícil para um jogador que tem momentos de enorme prazer durante a carreira esportiva ficar sem a sensação, o que leva mutos ao vício.

"Esse é um dos maiores problemas que tem o jogador quando vai parar: o futebol te oferece picos de prazer, picos de prazer muito altos. A vida te oferece prazeres medianos e você tem que se acostumar com aquilo. O jogador sente essa dificuldade, porque quando ele para, ele busca alguns picos de prazer que o futebol ofereceu para ele, e a vida não te dá isso, você fica com um vazio dentro. Muita gente fica desequilibrado emocionalmente, vai para o álcool, vai para a droga, como foi o meu caso. Procura coisas que te levam para aquele pico de prazer, porque você está acostumado com aquilo. Então, para você se habituar, tem que encontrar outras coisas que te dão prazer, mas não esperando aquele mesmo pico."

Mais adiante no Conversa com Bial, o comentarista da Globo recordou que em seu caso o vício em substâncias químicas veio bem cedo, jovem, no início no futebol. "Eu usei por 38 anos. O meu caso foi diferente, eu me liguei muito rápido à cultura dos anos 60, dos grupos musicais dos anos 70, a morte de Janis Joplin, a morte de Jimi Hendrix. Naquela época, a droga tinha um glamour, se fazia uma propaganda da droga que, realmente, não é mentira, é verdade, inicialmente (é boa), só que como ela é mentirosa, com o passar do tempo ela inverte, aquele prazer, glamour, aquela história não existe mais. Então eu segui um caminho baseado nessas referências que falei, só que eu não procurei o lado produtivo, genial deles, eu procurei o lado destrutivo, fui caminhando igual aos meus ídolos para o lado destrutivo."

Bial quis saber como era possível manter o vício e jogar futebol, ser um atleta. "Treinava muito, usava, todos os tipos, até droga injetável usava na época, jogando, no inicio da carreira", lembrou Casão. E continuou: "Quando fui para a Itália, parei sete anos, porque fui dedicado a fazer uma vida familiar. Casado, novo, tinha filho de um ano, depois nasceram mais dois filhos lá. Vim para o Flamengo, também fiquei no Rio tranquilo. Quando voltei para São Paulo e parei em 1994, aí veio aquele negócio na cabeça: 'Agora, vou viver e fazer aquilo que eu gosto'. E foi o problema, porque aquilo que gostava era usar droga naquele momento, não tinha mais o compromisso, em casa às vezes. E desenrolou uma certa frequência no uso de drogas que fiquei muito assustado. Depois que fiquei internado e fui me tratar, que comecei a olhar o que tinha acontecido e o modo que estava agindo nos últimos meses, não acreditei na voracidade da destruição que eu tinha. Ficava faltando, faltando (o pico de prazer do futebol) e eu já tinha (o vício), já usava drogas, então não teve dificuldade de entrar nesse caminho."

"Eu capotei o carro, estava pesando 58, 60 quilos, estava totalmente furado, porque usava droga injetável e não tinha mais onde procurar veia e acabei sendo internado. Minha família foi muito importante", recordou.

Casagrande e Paulo César Caju no Conversa com Bial (Reprodução/TV Globo)

Confira, a seguir, mais depoimentos de Casão ao programa da Globo:

Palestras

"Faço (palestras), eu preciso, é uma necessidade pra mim, porque uma das coisas mais importantes para um dependente químico grave, como é meu caso, é ter sempre o seu passado à vista. Quando faço palestra e conto a minha história, o que vejo no meu retrovisor é toda a minha destruição, então eu não quero fazer aquilo de novo. Faço parte de um projeto chamado 'Ceará sem Drogas', vou uma vez por mês e faço palestras em todas as cidades, aqui em São Paulo também faço em escolas. Quando conto a minha história, sei que estou ajudando as pessoas, sei que naquele meio vai ter um ou dois que estão nesse uso de drogas e vai se chocar com a história e repensar.

Críticas aos tipos de campanhas contra uso de drogas no Brasil

"O que acho errado na campanhas, principalmente para adolescente, é quando fala: 'Diga não às drogas'. O adolescente quer saber porque ele tem que dizer 'não', ele não sabe porque tem que dizer 'não'. O que acontece muito na sociedade brasileira é falta de esclarecimento do que é dependência química e das consequências que a droga pode te causar na vida. Te que ter um esclarecimento do que é, que é uma doença muito complicada, não tem glamour nenhum a droga. Quando faço palestras, eu deixo muito claro que a droga não é ruim, porque ninguém se vicia em coisa ruim, só se vicia em coisa legal, gostosa, e realmente é, só que ela tem uma continuidade, uma consequência, e vem muito rápida. As perdas acontecem muito cedo, você perde um casamento, um relacionamento com seus filhos."

A vida sem drogas

"Como é a minha vida hoje, qual é o meu objetivo, a minha prioridade na vida hoje? A minha prioridade hoje é nunca mais usar drogas, porque se eu nunca usar drogas, isso tudo vai acontecer pra mim, eu vou ser convidado para fazer um programa com o Pedro Bial, se não estiver usando drogas. Vou estar falando, com o PC, com as pessoas me vendo. Se usar drogas, eu não vou estar aqui, em nenhum lugar."

Indignação com postura da geração atual de jogadores

"Nós vivemos em uma democracia, ninguém é obrigado a ter participação, mas eu acho que o jogador de futebol atual não tem noção da importância que tem na palavra, porque são seguidos, é muito importante se manifestar. Hoje em dia tem muito egoísmo, são muito egocêntricos, só se preocupam com eles mesmos, o que está acontecendo ao redor para eles não interessa. Por exemplo, as coisas estão pegando fogo, tem a situação política delicada no Brasil e não tem um jogador de futebol, ninguém fala o que pensa, não tem opinião de nada."

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