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Em transmissão inédita de "vestibular" da NBA, ESPN zoa e humaniza calouros

UOL Esporte

23/06/2017 02h32

Everaldo Marques segurou por mais de cinco horas ao vivo o Draft (Crédito: Reprodução/Instagram)

Quando o jogador Luke Kennard subiu ao palco para ser contratado por um time da NBA, o ponto máximo de sua carreira, o narrador Everaldo Marques, que comentava os acontecimentos da noite, discorreu um pouco sobre o calouro.

"Ele sabe tudo sobre o filme Frozen." Diante do silêncio de Eduardo Agra e Ricardo Bulgarelli, seus companheiros de cabine, Everaldo emendou: "Bom pra ele…"

Nesse clima descontraído, a ESPN transmitiu na última quinta-feira (22), pela primeira vez na íntegra, o Draft da NBA, evento importante da temporada do basquete americano. Em uma cerimônia no ginásio do New York Nicks, os 30 times da liga americana se reuniram para escolher, cada um a seu turno, 60 jogadores para seus elencos.

Apesar da importância esportiva do evento e mesmo cercado por grande expectativa na imprensa e no público americano, não se trata de nada muito emocionante como uma final de campeonato ou mesmo de um jogo da temporada regular.

As imagens se resumem a um telão em que as escolhas de cada time são mostradas, com o replay de lances importantes dos calouros, oriundos em geral das universidades americanas. Na plateia, alguns atletas sobem ao palco para um ritual que inclui vestir o boné do time que o escolheu, posar para fotos e dar entrevistas.

Markelle Fultz, 1ª escolha do Draft, veste o boné do Philadelphia 76ers (Crédito: Mike Stobe/Getty Images/AFP)

Na maior parte do tempo, porém, o que o telespectador daqui viu foram os comentaristas da ESPN americana debatendo as decisões das equipes em mesa redonda, enquanto Everaldo, Agra e Bulgarelli se esforçavam para deixar o espetáculo minimamente interessante ao público brasileiro. Tudo durou mais de cinco horas.

Pode-se dizer que eles conseguiram, ao menos no começo.

"Precisa comer mais bife o nosso amigo aí", disse Everaldo se referindo a um jogador de mais de dois metros considerado magrinho demais. Quando Agra contou a história de um cartola do Knicks, o time da casa, que anunciou que não apareceria no Draft porque teria que tocar com sua banda na mesma hora, Everaldo simulou uma indignação:

"Devolve os Knicks pros índios, que não vale para nada! É um dos momentos mais importantes pro time na temporada!"

Bem informado e com suporte de uma boa quantidade de informação biográfica sobre a maioria dos calouros, o trio também fez um esforço para humanizá-los, tentando canalizar a empatia do público para os rostos desconhecidos. Para quem não se importa tanto com as estatísticas individuais dos campeonatos universitários, as histórias de vida de cada jogador os tornaram mais próximos.

Jayson Tatum, escolhido logo na terceira opção, apareceu no ginásio ao lado da mãe. O trio da ESPN contou que ela o havia criado sozinha e que ele se considerava um legítimo "filhinho da mamãe". Eduardo Agra destacou o quão importante é para adolescentes de comunidades pobres ter o apoio da família para superar as adversidades da vida e, quem sabe, prosperar nos esportes.

Uma boa dose de atenção foi dedicada ao figurino dos novos jogadores da NBA. Os mais diferentes não escaparam ao sarro dos comentaristas. Um deles apareceu com a parte interna do paletó estampada com uma homenagem à mãe. Outro, escolhido na quinta posição pelo Sacramento Kings, subiu ao palco com um sapato ousado: preto brilhante, com uma estampa que ninguém até agora entendeu.

"Jesus, Maria, José", exclamou Everaldo Marques. "Que diabo é isso?"

A transmissão da ESPN anunciou logo no começo que não daria "spoilers" no Draft. Por causa da apuração rápida de jornalistas americanos, muitas escolhas já eram de conhecimento público no Twitter minutos antes do anúncio oficial na TV. Apesar de saber dos furos, o trio preferiu não anunciá-los, talvez para manter o suspense na telinha, talvez para não confundir o público. A decisão, claro, deixou a coisa toda com cara de previsível para quem estava acompanhando o Draft também na segunda tela.

Sofrendo com a concorrência do SporTV, que esse ano transmitiu até uma final de conferência com exclusividade, e da Globo, que depois de muito tempo levou as finais da NBA à TV aberta (mesmo que apenas em videotape na madrugada), a ESPN transmitiu o Draft aparentemente como uma forma de marcar posição.

Ao final, quando ficou claro que nenhum atleta brasileiro seria escolhido e mesmo tendo torcido discretamente por Georginho e Wesley Mogi, o trio de comentaristas da ESPN não chegou a lamentar longamente a frustração que a torcida sentiu nas redes sociais.

Se não conseguiu encantar o público geral no Brasil com um evento tão árido e longo, ao menos ofereceu uma opção aos fãs mais hardcore da modalidade, que antes precisavam apelar a transmissões piratas para ver o "vestibular" da NBA no país.

Adriano Wilkson
Do UOL, em São Paulo

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