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Mylena Ciribelli consegue realizar sonhos ao trocar Globo por Record

UOL Esporte

18/06/2015 06h00

Hoje a TV está recheada de rostos femininos. Mas, há não muito tempo, o cenário era bem diferente. As poucas garotas que conseguiam se meter na área tinham de desbravar o terreno, ter personalidade marcante para conquistar seu espaço e abrir caminho para outras mulheres. Mylena Ciribelli foi uma das pioneiras, iniciando sua trajetória no rádio – também predominantemente masculino – e emplacando na Globo. E, mesmo com 18 anos de emissora, ela não desistiu dos sonhos. Foi por isso que, a partir de 2009, ela virou a cara do esporte da Record.

O motivo para a mudança foi uma frustração que a incomodava, um sonho não realizado em tanto tempo no canal carioca. Ainda lhe faltava carimbar o passaporte de uma cobertura de Olimpíada, in loco. Fã de esportes olímpicos, ela viu a Record tomar os direitos de transmissão de Londres-2012 da concorrente. E um convite da emissora paulista pavimentou um caminho que pareceu ser o mais claro a seguir – e no que ela se mantém até hoje.

Em entrevista ao blog, Mylena retomou a época dessa decisão, falou de seu atual momento – ela comanda o Esporte Fantástico, além de participar de outras transmissões do canal, como o Pan do Canadá, exclusividade do canal – e relembrou como uma baixinha que não deu certo no vôlei virou locutora apresentando rock no rádio e mais tarde retomou a paixão por esportes.

A GAFE – Estar ao vivo na TV é dar sopa para o azar. Não há quem escape de um mico aqui, ou uma gafe acolá. Mylena teve a sua na Record, durante a transmissão olímpica, em 2012. Por problemas no retorno, que geraram dificuldades de comunicação entre ela e a produção, um desabafo foi parar no ar. "Fala aqui na p… do retorno", foi possível ouvir. Sobre o caso, ela leva na boa: "Eu não estava no ar, então foi um técnico que esqueceu de tirar o microfone. Era uma reclamação interna, não tinha retorno, não sabia o que estava acontecendo. Mas, quando acabou, normal", garante ela. "Você está num evento ao vivo, fora do seu país, com delay no ouvido… E estávamos começando, um dos primeiros dias de transmissão. Aí eu reclamei… Mas achei legal que depois meus fãs mandavam mensagens: 'poxa, o Faustão ganha um monte pra falar isso o dia inteiro, e a Mylena fala um e todo mundo sacrifica'. Foi só uma expressão do momento, e não estava xingando ninguém, então não fiquei traumatizada (risos)."

Da garota nova, mas com estilo próprio, que chegou à Globo e virou referência ao lado de Léo Batista e Fernando Vanucci, a apresentadora passou por quase tudo no canal. Mas foi com sua saída que experimentou mais liberdade e enfim realizou o que tanto queria.

"Eu adoro a Globo, muita gente ainda me chama da rua e fala que não tem me visto na TV. Assim como outros vem falar que me assistem na Record. Foram 18 anos, uma marca, uma vida toda profissional. E eu agradeço muito; além de ter aprendido, fiz bons amigos, convivi com grandes profissionais. Isso é muito edificante. Mas, quando a Record me chamou, me chamou para realizar meu sonho: participar de uma Olímpiada", conta ela, que fez pela Globo a Copa de 1998, na França, mas não viajou para Jogos Olímpicos.

Mylena ri ao contar que há quem tenha "certeza" de que ela foi às Olimpíadas pela Globo. "Muita gente jura que me viu (nos Jogos). Mas, na verdade, me viram em um estúdio lindo, achando que eu estava em Pequim. Eu queria muito viajar. É como o sonho de um atleta. Pensei: 'não vou ficar mais esperando', porque a Record já tinha comprado os direitos (para Londres-2012) e a seguinte, ninguém sabia de quem seria. Eu falei: 'eu quero, então vou atrás do meu sonho'. Foi por isso que saí".

A apresentadora admite que o sentimento antes da mudança era de frustração. "Tinha uma tristeza. Mas, claro que eu entendia que participava de um trabalho de equipe, apesar de quere a experiência in loco". Já na Record, ela viajou à Copa de 2010 para fazer matérias exclusivas, mesmo que a emissora não tivesse os direitos de transmissão. Também foi aos Jogos de Inverno, e, enfim, a Londres para a tão sonhada Olimpíada.

A liberdade na Record também é em torno de uma linguagem menos formal e de participar de matérias onde ela pode por seu "molho". O lado mais irreverente sempre foi uma marca de Mylena, desde o rádio, mas foi um pouco limitado na Globo, que era mais quadrada em seus tempos de Globo Esporte e permitia mais experimentações no Esporte Espetacular.

"Na Globo logo comecei a trabalhar com o Vannucci e com o Léo, e eles sempre me ajudaram bastante. Eu cheguei para levar meu jeito descontraído, foi o que chamou a atenção da Globo. Vivemos de tudo, tem histórias engraçadas, outras tristes. Lembro de uma vez levarmos um cachorro para o Esporte Espetacular, no estúdio, e ele me morder e eu ter de continuar lá, rindo. O esporte tem mais momentos alegres, são notícias mais agradáveis", recorda.

"O Globo Esporte, por ter que mandar as notícias mais quentes, tinha necessidade de uma velocidade maior. Sempre foi mais ágil, demorou a ter apresentadores levantantados. Já o Esporte Espetacular era diferente. Eu era vanguarda, até demais. E na época as pessoas não estavam preparadas totalmente para mudanças, então pediam para segurar um pouco, não exagerar nas brincadeiras. Eu já tinha vontade, criatividade, mas ainda não tinha o espaço, não era o tempo, o momento. Mas muita gente fala que já fazíamos o que se vê hoje", explicou ela, em comparação com o jornalismo mais ousado iniciado por Tiago Leifert na Globo.

Pai esportista e filha rock and roll

Ser mulher também foi um desafio para Mylena. À época, só Isabela Scalabrini trabalhava com esporte e, pouco depois, foi para Belo Horizonte deixando a editoria. Hoje, Fernanda Gentil, Renata Fan, Paloma Tocci e outras tomam espaços que já foram masculinos. Mas, bem antes disso, esse assunto já era uma questão, quando ela entrou para o rádio, na parte musical.

O esporte sempre esteve na vida de Mylena, por conta do seu pai. Em Niterói, ele era atleta, fazendo corridas, e abriu um clube, aproveitando a pista de atletismo do estádio Caio Martins para dar aulas. De bicicleta, o professor carregava dardos, pesos e, depois de trabalhar como bancário, comandava as aulas de atletismo por lá. A mãe de Mylena conta que ele até checou a canela dos filhos para ver se eram finas e renderiam bons corredores.

A garota acabou gostando mais de dança, balé, mas sempre esteve ao lado do pai para jogar basquete, futebol e, principalmente, vôlei, seu favorito. Com apenas 1,64 m de altura e numa época em que não existia líbero, suas chances eram nulas. Então, o caminho do rádio caiu em seu colo.

Andando na rua, em Niterói, um amigo locutor comentou de um estágio em uma rádio local. Interessada, ela foi se candidatar, mas acabou sendo contratada em outro cargo, diretamente para fazer locução. Tudo por que tinha uma boa voz, sabia falar inglês e pronunciava corretamente os nomes de bandas, como Led Zeppelin e Deep Purple. Aprovada de cara, começou após um treino rápido, de uma semana e, apesar da inexperiência, não parou mais. Foi lá que criou seu estilo, começou a aprender sobre jornalismo e pavimentou sua carreira.

"Sempre fui pioneira, comecei quando existia só locução masculina no rádio, e as mulheres não entendiam de rock and roll. Homens ligavam e ficavam impressionados. Vim inovando desde lá, com linguajar da garotada. Então, quando comecei na TV, sabia como era entrar num reduto masculino, mas agora falando de esporte. A maioria gosta da voz feminina, de ouvir locução feminina", explica ela.

Do rádio, Mylena foi para a TV, na Manchete, entrevistando bandas e artistas gringos, como The Cure e Tony Bennet. Deste último, se surpreendeu enquanto esperava por uma entrevista. "Nosso diretor estava cuidando da luz. E o Tony lá, numa paciência, esperando. De repente, ele sentou no piano e começou a desenhar. E olhava para mim, sorria… Daqui a pouco ele me dá um desenho, um retrato meu. Fiquei: 'Meu Deus, tenho um retrato do Tony Bennet'. Até hoje está na minha estante", relata a apresentadora.

Foi na própria Manchete que ela fez a transição de volta para o esporte. "Eu adorei, já gostava. Eram minhas duas paixões, esporte e música. E eu queria um trabalho mais constante, que ganhasse um salário melhor. Então comecei na Manchete Esportiva e fazia o Grid de Largada, com os boletins de Fórmula 1, até que a Globo me chamou para o Esporte Espetacular e depois entrei no Globo Esporte."

Como em tudo em que ela teve de se arriscar, até entrar na forte Globo teve narizes torcidos. "Quando a Globo chamou foi: 'Meu Deus! A Globo me chamando. Claro que umas pessoas tentaram me demover da ideia. Dizendo que era Globo, muita gente. Mas eu queria ir, ver como ia ser, ter a experiência. E acabei ficando 18 anos", completa ela, agora com seis anos de Record e já às vésperas de realizar seu segundo sonho olímpico.

Maurício Dehò
Do UOL, em São Paulo

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