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Transmissão esportiva não precisa só da voz. Narradores ensinam os macetes

UOL Esporte

10/10/2014 06h05

Depois da internet, narrador não tem desculpa se errar o nome de qualquer atleta. Microfone número um da Bandeirantes, Téo José conta que vai para frente do computador procurar a pronúncia certa ao trabalhar em jogos internacionais de times poucos conhecidos. Foi por este motivo que acordou mais cedo na quarta-feira da semana passada, quando o Real Madrid enfrentou o Ludogorets da Bulgária pela Liga dos Campeões. Uma busca leva a transmissões na língua original e coloca por terra qualquer dúvida, por mais consoantes enfileiradas que estejam impressas na camisa do atleta.

"Tem emissora que não faz isso e faz campeonato internacional e parece que eu que estou falando errado", comenta.

Se o jogo é por competição grande como a Copa do Mundo fica mais fácil. Téo José procura jornalistas dos países que vão entrar em campo e esclarece as dúvidas. Na Fórmula Indy a pergunta era feita ao próprio piloto. Aplaudido pela irreverência no Sportv, Milton Leite também se vale da internet. Mas ele revela outro macete para não confundir o nome de ninguém em transmissões de equipes pouco conhecidas, fazer associações.

"Fulano é cabeludo. Beltrano joga com chuteira vermelha e assim por diante. Logo que os times entram em campo, você identifica os desconhecidos pelo número da camisa e tenta uma associação porque durante o jogo, nem sempre você consegue ver o número. A posição (em campo) também ajuda."

Milton também grita o nome do autor de um gol somente se tiver absoluta certeza, o que pode não ser tão fácil em algumas situações. Num escanteio batido no meio de um bolo de jogadores nem sempre dá para saber quem cabeceou a bola. Mas ninguém é o principal narrador do Sportv por acaso.

"Enquanto estou gritando fico de olho no monitor, porque as câmeras costumam 'fechar' a imagem em quem fez o gol".

Téo José ressalta que não precisa prestar atenção no atleta que vai bater o escanteio porque a ação se dá dentro da área. Os macetes contados pela dupla mostram que não é a voz que diferencia as boas e as más narrações. A afirmação é compartilhada por executivos de emissoras brasileiras. Um vozeirão é inútil se não for acompanhado de informações que contextualizem o evento esportivo. Passar emoção sem cair no exagero também é importante. Cumpridos estes requisitos os profissionais podem dar sua marca pessoal às transmissões.

Teo José, microfone número um da Bandeirantes, anota frases de novelas e versos de músicas para usar. Ele se rendeu ao "taca-lhe pau". Justifica que precisa criar empatia com o público e que o esporte é parte jornalismo e parte entretenimento.

Dono de narrações bem-humoradas e criador de expressões repetidas desde de campos de pelada até o ambiente de trabalho, Milton Leite explica que o estilo reflete seu jeito de ser. "Acredito que se criasse bordões, ou ficasse me obrigando a usar, não ficaria natural e não 'pegariam'."

E tem muita gente querendo seguir a carreira da dupla, sonhando em estar nos maiores evento esportivos do planeta como Copa do Mundo e Olimpíadas. Prova disso foi o número de interessados no Projeto Narradores do Sportv. O diretor de conteúdo da emissora, Raul Costa Junior, esperava 500 inscritos, mas no final do prazo a estrutura de seleção precisou de reforço porque apareceram 11,8 mil candidatos.

Ele revela que o rádio não é mais a única origem dos narradores, também há pessoas da internet e televisões comunitárias. Raul explica que o projeto é uma tentativa de descobrir talentos. Dos inscritos que fizeram os testes iniciais em março restaram 16 para a última etapa. A prova final será uma entrevista com executivos do Sportv.

Em seguida, os aprovados passarão um ano e meio em treinamento e entrarão em ação somente em 2016. Até lá, haverá pessoas fazendo monitoria, narrações que não irão ao ar, aulas de dicção e avaliações de conhecimento. Estar bem informado é parte fundamental do trabalho declara o diretor de conteúdo.

Raul conta que quando uma pessoa assume o microfone do canal tem o compromisso de explicar ao telespectador o momento dos times no campeonato, a história dos clubes e da competição. É preciso ter feito a lição de casa porque não pode haver dúvidas no ar. Ele ressalta que o dia de trabalho do narrador não começa no estádio, mas horas antes.

Se com futebol é preciso atenção, o cuidado é muito maior em esportes sem popularidade, caso do futebol americano e beisebol conta João Palomino, diretor de Jornalismo da ESPN. Ele ressalta ainda que parte dos espectadores é fanático pela modalidade e bastante informado. Um deslize será percebido. Nos dois esportes o narrador tem que ser didático e traduzir o que está acontecendo.

Antes de virar executivo da ESPN, Palomino foi o principal narrador do canal e fala com autoridade do assunto. Ele defende que o profissional venda a transmissão, mas sem mentir. Também ressalta que é preciso saber o momento de ficar quieto, como num flagrante de orientações do técnico ou quando a torcida dá um show a parte.

Esta sintonia fina é obtida com tempo e nunca o profissional pode considerar o aprendizado encerrado afirma Téo José. Ele diz que usa uma linguagem para aproximar-se dos telespectadores. A descontração também é importante porque o esporte tem componentes de entretenimento. Mas isto não significa deixar de se preocupar com a exatidão das informações. Mesmo com toda esta precaução, já teve caso em que o próprio narrador causou problema para ele mesmo.

Ocorreu na época em que o piloto canadense Greg Moore competia na Fórmula Indy. O Téo José não teve dúvidas e usou a lógica inglesa de dois "Os" seguidos ter som de "U". Depois de certo tempo notou que os jornalistas do Canadá usavam o som de "O". Ele mudou a pronúncia, explicou no ar, mas passou muito tempo sendo criticado porque estaria falando errado.

Hoje, as redes sociais fizeram a cobrança ficar mais presente e há críticas que passam do ponto diz Téo José. Ele confessa que já foi chamado de babaca, burro e que torcedores acham que grita mais alto o gol do time rival. O narrador afirma que é necessário lidar com as cobranças e que mensagens com xingamentos levam ao bloqueio do autor.

A profissão também exige cuidados com a voz. Milton Leite não toma álcool na véspera de um jogo, procura dormir bem e descansar. No dia de trabalho fala menos que o normal e não bebe gelado. Durante a transmissão a regra é tomar muita água para hidratar a garganta. Um aquecimento nas cordas vocais também ajuda.

No mais, é curtir o trabalho. Milton Leite admite que ainda se emociona com jogos decisivos e momentos históricos. O narrador não considera que isto atrapalhe. "Ao contrário, acredito que estar envolvido dessa forma me ajuda a transmitir esse sentimento para o telespectador."

 

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

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