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Milton Leite exclusivo: Rogério Ceni chato, medo de protestos e mais

UOL Esporte

13/05/2014 06h00

Milton Leite recebeu a reportagem do UOL em sua casa, na zona Oeste de São Paulo, no dia seguinte à convocação da seleção brasileira, evento que ele havia acompanhado direto do Rio de Janeiro ao vivo pelo SporTV. Fomos recebidos por Milton e por Frajola, o macho do casal de gatos que o apresentador tem em casa.

Dizem que a Copa começa na convocação. Se é isso mesmo, Milton Leite começou bem este Mundial: no pique e com as tiradas irônicas que lhe são usuais. "Acho que gostam do meu humor porque não é do tipo besteirol, né?", comenta, na tentativa de mostrar o que o difere dos outros narradores. De fato, bordões como "agora eu se consagro" carregam uma dose de sarcasmo bem mais cerebral que a média das piadas vistas hoje nos programas ou transmissões de futebol. Será que é isso que o afasta de um posto de titular na Globo? Pode ser, mas o fato é que a pergunta segue sem resposta.

Durante uma hora de conversa, fica claro que, como se diz no futebol, Milton "está focado" em "fazer o que o professor pediu" e "conquistar os três pontos". Ele sabe que seu compromisso é com o SporTV e reafirma que nunca houve um planejamento para levá-lo à TV aberta. Durante os mais de 30 anos de carreira como jornalista e narrador, Milton já passou por redações de jornal, rádio e também pela ESPN, hoje concorrente.

À reportagem do UOL Esporte, Milton Leite falou sobre a preparação para a Copa, os receios, a rotina e seu estilo jornalístico de narrar. E ele ainda teve tempo de contar novidades no campo pessoal: aos 55 anos está aprendendo a tocar piano e vai ser avô pela primeira vez. Ângelo, filho de sua filha mais nova, deve chegar logo antes da Copa. "Espero que nasça antes mesmo porque, senão, acho que só vou conhecê-lo depois da final."

UOL Esporte: Você vai agora para a sua quarta Copa do Mundo narrada in loco, mas esta é no Brasil. O fato de estar em casa muda algo no trabalho do narrador?

Milton Leite: Fiz duas Copas na Europa, aquela superorganização da França, da Alemanha, tudo funcionando direito e tal. Depois, fiz a da África do Sul, que já não funcionou tão direito, tinha muito problema, inclusive os problemas que eu acho que teremos aqui de infraestrutura, de hotel, de avião, mas lá todo mundo ainda relevava um pouco porque tinha aquela coisa de a África do Sul estar voltando agora do apartheid. Havia uma condescendência, uma compaixão com a África do Sul que eu não sei se os estrangeiros, sobretudo, terão com o Brasil, que é um país já acostumado a receber turistas, que tem uma economia grande. Mas acho que talvez a grande experiência que a gente vá viver [como narrador] é, ao sair do estádio, já sentir a reação. É difícil você mensurar o que está acontecendo aqui quando está longe. E acho que por isso a responsabilidade é muito maior em fazer a Copa aqui, porque você conhece as características do país, as características do torcedor brasileiro. 

UOL Esporte: Justamente por essa proximidade maior com o torcedor brasileiro, o fato de a Copa ser no Brasil muda algo no seu estilo, nos bordões, no tipo de humor?

Milton Leite: Acho que não. Essa coisa de ser bem humorado, nada disso eu programo fazer. Não vou ao estádio com piadas prontas, nada disso. Talvez a minha característica que me permita fazer isso é ter um raciocínio muito rápido, mas é sempre na hora. É a mesma coisa com os bordões: nunca pensei em ter bordão, eles foram surgindo, foram ficando. Outro dia, até me peguei pensando: será que eu deveria produzir alguma coisa especialmente para a Copa? Até agora não me veio nada e não estou nem preocupado se vai vir ou não. É mais um evento, eu acho. Talvez, durante a Copa, você vá encontrando as pessoas, encontrando torcedor na rua, no estádio, e de repente até podem surgir coisas novas, mas não sei.

UOL Esporte: Como fica o narrador na transmissão diante das dificuldades que certamente vão acontecer durante o Mundial? Qual é o limite entre omitir, informar e soar reclamão no ar?

Milton Leite: Já tivemos uma boa experiência na Copa das Confederações, principalmente em relação às manifestações. Não tivemos tanto problema com hotel e aeroporto porque era um evento muito menor, mas fizemos jornalismo. Durante o jogo, evidentemente que não cabia eu ficar falando de problema no hotel, no avião, mas o pessoal do Jornalismo do canal — já que eu sou de Eventos — cansou de botar imagem no ar, mesmo no pré-jogo. Se está tendo manifestação lá fora e tínhamos condições de botar ao vivo, a gente colocava ao vivo, senão, a gente gravava, trazia pro caminhão e colocava no ar. Nunca deixamos de noticiar. Agora, não podemos esquecer que, num canal de esportes, a principal função é transmitir esportes, né? Óbvio que vamos noticiar o que vai acontecer no entorno, mas meu foco principal como narrador, inclusive, é transmitir a Copa do Mundo. De qualquer forma, o canal já demonstrou isso no ano passado e eu tenho certeza que vai ser de novo assim: vamos acompanhar jornalisticamente tudo o que acontecer na Copa. 

UOL Esporte: Você já sabe o que vai fazer durante a Copa, certo? Vai fazer algum jogo na Globo?

Milton Leite: Já tenho a escala da primeira fase. Faço o jogo da abertura aqui e depois saio viajando. E faço só SporTV. Quando o Alex Escobar começou a narrar na Globo, acho que foi o próprio UOL que colocou assim: "Alex Escobar desbanca Milton Leite e vai ser o cara da Copa na Globo". Nunca houve possibilidade de eu narrar Copa na Globo, há dois anos eu já sabia que isso não aconteceria. Ele não me desbancou porque eu nunca estive na briga. Meu prato principal é o SporTV e é lá que eu vou fazer a Copa inteira.

Nota da Redação: a informação sobre a disputa entre Alex Escobar e Milton Leite foi publicada em março pelo site especializado Notícias da TV, do jornalista Daniel Castro.

UOL Esporte: Mas há algum planejamento para que você passe a narrar na TV aberta?

Milton Leite: Nunca houve um projeto do tipo "em tal período, tal ano você vai pra Globo". O pessoal fala que o Galvão vai aposentar. O Galvão não vai aposentar, ele acabou de renovar o contrato. Não vejo nenhuma razão pra ele parar e ele nem quer parar.

UOL Esporte: Você espera uma rotina mais puxada desta vez, aqui no Brasil?

Milton Leite: Na verdade, eu já sei que a minha rotina na Copa do Brasil vai ser mais tranquila do que foi na África do Sul, por exemplo, porque nós vamos ter oito equipes de narração, se não me engano, enquanto lá nós tivemos quatro. Na África do Sul, eu narrei 23 jogos e provavelmente não vou chegar nem perto disso aqui no Brasil. O que eu acho que pega um pouco mais aqui é que as viagens são mais longas. Mas minha escala da primeira fase, por exemplo, está assim: eu faço um jogo num dia, o dia seguinte normalmente é de viagem e aí eu faço um jogo no outro dia, sempre com pelo menos um dia de trânsito pra avião, hotel. Normalmente, nossos voos são diretos porque o canal está planejando isso há muito tempo. Quanto aos atrasos que podem ocorrer, acho que eles já pensaram a escala considerando isso, as dificuldades que a gente pode encontrar de uma viagem pra outra.

UOL Esporte: Você tem medo de algo que pode acontecer durante a Copa? 

Milton Leite: Medo, eu acho uma palavra muito forte. Eu receio que a gente possa ter episódios semelhantes ou até mais graves do que a gente teve no ano passado durante a Copa das Confederações. Isso é uma coisa temerária porque você vai ter multidões, famílias, crianças no meio do pessoal que vai pra ver o jogo. Se nós tivermos as manifestações que tivemos no ano passado e as reações que a polícia teve no ano passado, acho que a gente pode ter problemas de atingir quem não tem nada a ver com a história. Não sei como o governo está preparando as equipes de segurança, a inteligência, como eles dizem, porque eu não tenho dúvida de que manifestações estão sendo organizadas pra tentar fazer um barulho aí durante a Copa. Não sou contra, nem a favor, depende do que é. A questão é o que pode gerar.

UOL Esporte: Como foi no ano passado para vocês do SporTV e da Globo, já que a emissora também é alvo de muitas das manifestações?

Milton Leite: O receio era de que invadissem os estádios na marra. Montaram aquele cordão de policiamento antes do estádio e as brigas aconteciam um pouco mais distantes, mas aconteciam, e com gente passando. Lembro que em alguns lugares a gente teve que fazer esquema de sair muito cedo pra ir pro estádio e não ter que passar no meio da confusão, fazíamos caminhos diferentes do que a gente faria, tomamos uma série de cuidados. A empresa deu todo o respaldo.

UOL Esporte: O que é narrar Copa do Mundo para você? Que dica você daria para alguém que vai narrar sua primeira Copa, por exemplo?

Milton Leite: Na verdade, acho que narrar um jogo de Copa do Mundo é como narrar qualquer outro jogo, o jogo é o mesmo, não tem grande diferença. O que difere um pouco do que você faz normalmente aqui no Brasil é que você vai lidar com seleções de outros países, são outras culturas, outro jeito de jogar, enfim, ter conhecimento de futebol internacional é importante numa Copa. E não ficar preso só no futebol, né? Quando você faz uma Copa do Mundo, é uma ótima oportunidade pra você, que está transmitindo ali, contar um pouco não só do futebol daquele país, mas também da cultura, de onde é que fica, como funciona a economia. Acho que, nesse sentido, a Copa é sempre uma boa oportunidade já que o público não é só aquele público fã de futebol. Eu, em geral, tento fazer isso, principalmente sobre os países mais fora do circuito, com os quais a gente não está acostumado a lidar no dia-a-dia.

UOL Esporte: Essa visão seria um reflexo da sua formação como jornalista?

Milton Leite: Sim, exatamente, porque no fundo, no fundo, o que a gente faz ali é jornalismo. É claro que tem um tanto de entretenimento porque a sua função numa transmissão também é entreter quem está em casa, segurar a pessoa no sofá, mas a gente basicamente faz jornalismo, né? E acho que nesse sentido eu tenho uma formação que me ajuda muito porque eu não sou um cara que trabalha no esporte desde que eu comecei. Já tenho 36 anos de carreira e já fui apresentador de programa de variedades na rádio Jovem Pan, já trabalhei na [editoria de] Economia do Estadão. Eu, quando morava no interior, em Jundiaí, fiz de tudo em jornal, desde reportagem de buraco de rua até fechar jornal, ser redator-chefe. Já fui diretor de redação aqui em São Paulo, da Rádio Eldorado. Acho que a minha formação me dá uma visão mais aberta do que simplesmente ser um cara do Esporte. E isso me ajuda muito.

UOL Esporte: Não é todo narrador que enxerga a profissão desta forma.

Milton Leite: É, eu costumo considerar que é um diferencial meu. Mas não é que eu tenha programado isso. Na verdade, a carreira foi me oferecendo oportunidades de estar em outras áreas, que hoje eu acho que me ajudam muito a fazer o que eu faço. Até essa coisa do entretenimento, eu lembro muito bem do meu tempo de rádio. O que eu fazia era basicamente entretenimento, um programa de variedades, por quase oito anos lá na Jovem Pan.

UOL Esporte: Recentemente, você narrou Corinthians e Chapecoense pelo Campeonato Brasileiro da Série A, que foi um jogo bem fraco em se tratando de futebol, mas narração foi bem engraçada.

Milton Leite: É, foi o jeito que a gente encontrou de fazer essa transmissão, brincando com a tragédia que foi o jogo. No dia seguinte, saindo do hotel lá na cidade, no aeroporto, o pessoal veio comentar: "Ah, você conseguiu salvar o jogo, o jogo estava uma tragédia" e não sei o que mais. Acho que, nesse sentido, ajuda muito a parceria que eu tenho com o [Maurício] Noriega [comentarista do SporTV], porque a gente se entende super bem, acabamos nos tornando grandes amigos.

UOL Esporte: Você tem liberdade para criticar sabendo que o campeonato é um produto do seu empregador?

Milton Leite: É óbvio que você não pode esculhambar o evento, mas você também não pode enganar o cara em casa. Ele está assistindo ao jogo, ele está vendo que os caras estão errando passe acima da média, que o juiz está indo mal, então não adianta você querer dizer pro cara que está bom, que vai melhorar, porque você está vendo que não vai acontecer nada disso. Ou jogar super pra cima e o cara em casa falar: "Pô, esse cara é um idiota, né? Está narrando como se fosse final de Copa do Mundo e o jogo é uma tragédia". Acho até que o fato de sermos um canal de esportes, que atende a um público mais específico, ajuda um pouco nesse sentido porque você está tratando com gente que está vendo o que está acontecendo, o cara entende um pouquinho daquele troço. O que a gente tem conseguido fazer bem é segurar as pessoas pela brincadeira, quer dizer, você acaba transformando aquilo que está sendo muito ruim em um entretenimento efetivamente. O cara passa a ficar ali pra ver como é que você está lidando com aquilo.

UOL Esporte: Na Globo, já é outro público, né?  

Milton Leite: Na verdade, são transmissões um pouquinho diferentes, mas não porque alguém chegou pra mim e disse que eu tinha que ser diferente ou menos brincalhão aqui, mais lá. Mas o que eles me chamaram a atenção quando eu comecei a fazer futebol na Globo foi exatamente isso: "Olha, você tem que perceber que aqui o público é heterogêneo". Se lá [no SporTV] tem o cara que gosta de futebol, que acompanha, que está mais ligado nas informações, aqui tem o cara na sala assistindo, que é aquele que gosta de futebol, talvez um filho adolescente, mas tem a mãe que está ao lado, a avó que não acompanham futebol, e você tem que segurar essas pessoas junto com você, porque senão a esposa convence o marido a trocar de canal [risos]. Você não pode deixá-la trocar de canal. Na verdade, eu nem sei se, nas chances que tive de fazer futebol na Globo, atingi o ponto que eu imaginava porque foram experiências muito espaçadas e você não tem uma sequência muito grande.

UOL Esporte: Você não pega ritmo de jogo?

Milton Leite: É, você fica sem ritmo. Mas, obviamente, você sabe que tem que fazer uma coisa diferente. Se no SporTV você faz mais jornalismo, você brinca mais com as informações que você tem, na Globo, eu costumava brincar com a própria programação do canal. Cheguei a fazer isso quando tive uma sequência de três, quatro jogos, e na época estava passando aquela novela Avenida Brasil, da Carminha, que estava pegando fogo. Eu brincava com coisas da própria novela na transmissão do futebol porque ou a gente tinha saído da novela, no caso da quarta-feira à noite, ou de domingo porque na sequência viria o Faustão e sempre tinha alguma coisa relativa à novela no programa. Nem sei se funcionou, não tive tempo de descobrir porque minhas passagens na Globo são sempre por períodos curtos, mas era um caminho que eu estava tentando adotar. Você tem que encontrar um jeito de falar como todo mundo. Acho que esse é o grande desafio de quem narra na aberta.

UOL Esporte: Na aberta, justamente por essa razão, você acaba mais exposto a não gostarem de você, então.

Milton Leite: Graças a Deus, as reações que eu recebo tanto no SporTV quanto na Globo são muito mais positivas do que críticas, mas tem de tudo. Não quero ser unanimidade, não. E essa coisa do futebol tem muito da paixão do cara, né? Se o time dele perdeu com você narrando, ele vai dizer que você é um idiota, que você não narra nada, que você errou tudo. Agora, se o time dele vence, você é o melhor do planeta, não tem ninguém melhor na história que você.

UOL Esporte: Sabendo pra qual time você torce, isso piora, não?

Milton Leite: Por isso é que eu evito dizer qual é o meu time. A gente tem uma recomendação pra não falar até em função de segurança porque estamos em estádio todo meio e final de semana, estamos expostos. Não é que somos proibidos de falar, mas o estádio é um negócio absolutamente bélico, tem gente jogando privada na cabeça do outro pra matar.

UOL Esporte: Então eu não vou nem perguntar sobre você ser corintiano ou não.

Milton Leite: Eu sou Paulista de Jundiaí, é o que eu sempre falo [risos].

UOL Esporte: Os problemas que você teve com aquela gravação que vazou de você dizendo que o Rogério Ceni era "chato pra c…" já foram superados?

Milton Leite: Foram bobagens, coisas que não estavam no ar. No começo, me deu muito problema esse episódio do Rogério Ceni porque eu ia fazer jogo no Morumbi e a torcida ficava ali no portão enchendo meu saco quando eu chegava, mas foi um período curto. O que eu acho que faltou naquela época foi discutir como aquilo tinha acontecido porque foi uma coisa que não estava no ar e que eu não autorizei a ir ao ar. Aquilo ficou no YouTube um ano e meio sem ninguém olhar. Aconteceu no meio de 2007 em um jogo que eu estava fazendo na Vila Belmiro, um Santos e São Paulo. No comecinho de 2009, o site Kibe Loco usou aquela gravação e, aí, começou a repercutir. O Pânico começou a usar aquilo toda semana e é óbvio que ganhou uma dimensão muito maior. Mas como é que veículos de mídia utilizam a minha imagem daquele jeito sem sequer me dar a chance de explicar o contexto em que aquilo tinha acontecido? Eles acharam engraçado, colocaram no ar e me colocaram em risco. Ninguém me procurou. Até hoje ninguém me perguntou nada. Eu falo sobre isso assim, nesse tipo de entrevista, e cheguei a escrever um post contando toda a história quando eu tinha blog. Mas o site usou, as televisões usaram sem nunca chegar pra mim e falar: "Ó, você não quer dar uma palavrinha sobre como é que aconteceu?".

UOL Esporte: E como ficou com o Rogério?

Milton Leite: Nós nos falamos várias vezes depois daquilo, nunca tratamos do tema, mas ele me trata super bem. Na época que aconteceu, o Juca [Pacheco], que é assessor de imprensa do São Paulo, falou: "O Rogério levou numa boa, não esquenta a cabeça. Conversei com ele ontem na concentração e ele falou que não tem nada a ver". E depois ele deu uma entrevista pra revista ESPN cuja capa tinha umas aspas dele, e era algo mais ou menos assim: "Sou chato". Ele dizia isso na matéria, que ele se considerava chato, que ele não admitia erro, etc, corroborando o que eu tinha dito, né? [risos]

UOL Esporte: Como anda a sua rotina hoje, seu dia a dia?

Milton Leite: Eu tenho feito dois jogos, em média, por semana. Na maioria das vezes, são jogos fora de São Paulo e eu fico fora de casa, então, de um a dois dias, duas vezes por semana. Mas eu também tenho uma situação que o SporTV me proporciona de ter bastante tempo livre. Quando eu não estou viajando, não tenho atividades que requerem que eu vá pra Redação. Eu vou porque eu gosto de ir.  Então, eu fico muito em casa, me preparo em casa para os jogos, nado três vezes por semana e agora estou aprendendo a tocar piano. Comprei agora no começo do ano esse piano eletrônico porque desde moleque eu tinha esse sonho. Quando era muito novo, não tinha grana pra pagar as aulas de piano. Quando comecei a trabalhar no interior — meus oito primeiros anos de carreira foram em Jundiaí –, eu não tinha tempo porque eu trabalhava que nem um condenado, minhas três filhas nasceram muito cedo, muito pertinho uma da outra, e eu tinha que trabalhar pra bancar aquilo tudo. Quando eu passei a ter tempo e ganhar o suficiente pra pagar essas coisas, bate a preguiça e você vai adiando, adiando… Até que, no Natal do ano passado, minha mulher foi a uma escola de música e comprou um curso de piano pra mim. Aí, não teve jeito. Desde o final de janeiro, estou fazendo aula prática e de percepção musical. Mas é aquele tipo de coisa que, se você não treinar fora dali, você não pega. E resolvi comprar um piano digital. Eu estou adorando, o curso é muito legal! Em três semanas, eu já estava começando a tocar as primeiras músicas, que são as mais simples, com uma mão só. E é uma forma de tirar um pouco a cabeça da rotina, das viagens, do futebol, da tela. Hoje eu tenho uma situação em que eu tenho um trabalho legal e também tenho tempo pra fazer outras coisas. Gosto muito de ficar em casa, de ler.

UOL Esporte: Fora as biografias e os livros de futebol, o que você gosta de ler? 

Milton Leite: Bom, isso aí eu leio porque tem muito amigo meu publicando livro, mas gosto de ler de tudo. Biografia é uma coisa de que eu gosto muito, não só de futebol. Estou lendo um livro agora que minha mulher me deu, por causa da música, que se chama "Mozart – Sociologia de um Gênio" [Elias, Norbert. Zahar Editora], que não é uma biografia do Mozart, mas um livro que conta como funcionava toda a sociedade da época em Viena, na Áustria, e como isso influenciou a música dele, o fato dele ter morrido tão cedo e desgostoso porque não conseguia se fazer entender por aquele pessoal.

 UOL Esporte: Aproveitando que você está falando de Sociologia, como você vê a responsabilidade do narrador, que fala pra tanta gente, diante de temas como violência, racismo e homofobia no futebol?

Milton Leite: Me posiciono como qualquer cidadão medianamente inteligente. Acho que se fala pouco dessas coisas no futebol. Agora, está pintando aí o racismo como tema porque algumas ações têm sido absurdas e as pessoas que têm sido vítimas agora têm reagido, o que não acontecia até um tempo atrás. E acho que uma sociedade mais livre, com mais mídia, mais meios de informação, acaba facilitando isso de alguém se manifestar contra e ganhar apoio de outras pessoas. Eu evito, nas minhas transmissões, qualquer tipo de brincadeira que possa levar a um raciocínio desse tipo, de racismo ou de homofobia. E essa questão da homofobia talvez ainda esteja ainda mais escamoteada no futebol porque é um meio muito conservador. A cabeça das pessoas que estão envolvidas com futebol, o próprio torcedor, ainda é muito conservador e é machista, né? Tanto que o número de mulheres comentando futebol em televisão e em rádio é muito pequeno. Narrando, eu nem conheço. As redações de hoje já têm muitas mulheres inclusive nas chefias de redação, de produção. No Jornalismo da Globo em São Paulo, por exemplo, a maioria dos editores-chefe é de mulheres. Mas no vídeo, ali, pra falar de futebol, comentar de futebol, que é um negócio machista, você vê poucas.

UOL Esporte: Você se lembra de algum episódio de racismo ou homofobia em jogos nos quais você estava presente?

Milton Leite: Há algumas semanas teve um Corinthians e Flamengo que transmiti aqui no Pacaembu e, a cada vez que o Felipe [goleiro do Flamengo, ex-Corinthians] ia bater um tiro de meta, a torcida gritava "biiiicha". Nas duas primeiras vezes, eu não tinha percebido. Quando foi a terceira vez, eu notei que eles estavam gritando alguma coisa e cheguei a comentar que a torcida estava pegando no pé dele pelo fato de ele ter jogado aqui, etc. Mas quando eu percebi que era isso que os caras estavam gritando, eu parei de deixar o microfone aberto na hora do tiro de meta, até para o telespectador não perceber. Eu saía falando alguma coisa em cima, enfim, em nenhum momento eu chamei a atenção para aquilo. Teve uma hora em que até pensei que não ia falar daquilo justamente pra não fazer o que eles queriam que nós fizéssemos, que é dar vazão pra bobagem que eles estão fazendo. Você tem que ter alguns cuidados até pra não ser usado, porque, numa situação destas, você acaba sendo usado porque não estava muito ligado no assunto.

UOL Esporte: Para encerrar, você tem alguma superstição "antes de entrar em campo"?

Milton Leite: Superstição, não. Mas eu sou muito metódico, gosto de fazer as coisas muito organizadas, preparo as informações antes e levo tudo anotado de casa. Anoto cada time com uma cor, cartão amarelo eu anoto com outra cor, esse tipo de coisa.

 UOL Esporte: E essa correntinha no pescoço?

Milton Leite: Essa figuinha, eu tenho desde que nasci. Minha mãe colocava no meu macacãozinho de bebê com um alfinete. Quando eu cresci e comecei a andar, ela ficou com medo de que eu perdesse e só me deu de volta quando eu tinha 21, 22 anos, com essa correntinha pra eu pendurar. E a estrela de cinco pontas eu ganhei, alguém me deu, mas a figuinha tem 55 anos, a minha idade.

Por Vanessa Ruiz
Do UOL, em São Paulo

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