O Fox Sports montou um time de mulheres para a cobertura de treinos e jogos pelo Brasil. E elas se preocupam em n\u00e3o dar margem para interpreta\u00e7\u00f5es erradas ou segundas inten\u00e7\u00f5es. Por isso, cuidam de detalhes como a roupa que vestem e at\u00e9 sorrisos exagerados para evitar cantadas de jogadores.
Cuidados para evitar cantadas
A rep\u00f3rter Eduarda\u00a0Peccinatti come\u00e7ou a trabalhar no Fox Sports na cobertura da Copa do Mundo de 2014 ap\u00f3s uma passagem de dois anos pela Band. Ela faz a cobertura di\u00e1ria dos grandes times paulistas e evita se aproximar de jogadores.
\u201cEu me preocupo muito. Diferentemente dos homens, n\u00e3o d\u00e1 para tentar ser amiga de jogador, ser mais pr\u00f3xima. Acho que tem que ser mais reservada para n\u00e3o confundir as coisas. Tem que impor limite, a gente est\u00e1 no mundo do futebol e tem que saber se portar, ver at\u00e9 a roupa que vai ao treino. Acho que a gente tem passar mais despercebida\u201d.
Para as jornalistas, a necessidade de uma postura s\u00e9ria pode at\u00e9 prejudicar o trabalho pela dificuldade de conseguir fontes. \u201cOs meninos da \u00e1rea ligam para os dirigentes, para os jogadores, participam dos churrascos. N\u00e3o tem como a gente ter esse contato, acaba sendo mais complicado\u201d, completa Eduarda.
A jornalista Daniela Boaventura, que trabalha no Fox Sports do Rio de Janeiro, tem o mesmo pensamento da colega. \u201c\u00c9 muito mais dif\u00edcil ter fonte, as pessoas ainda confundem qualquer aproxima\u00e7\u00e3o que seja encarada como excessiva. Qualquer sorriso mal dado ou o excesso do sorriso podem ser mal interpretados, \u00e9 a maneira que voc\u00ea se coloca. Mas depois de um tempo, eles entendem essa diferen\u00e7a. Quem vai dar esse limite \u00e9 voc\u00ea\u201d, diz ela que, curiosamente, come\u00e7ou a carreira fora da editoria de esportes cobrindo de 'ocupa\u00e7\u00e3o de morro a tiroteio' e tinha o sonho de ser correspondente de\u00a0guerra.
A rep\u00f3rter Lara Mota tamb\u00e9m diz que tem uma postura mais firme por estar na \u00e1rea h\u00e1 mais de dez anos, \u00e9poca em que as mulheres no futebol ainda eram em menor n\u00famero. Por isso, era preciso se impor mais para ser respeitada.
\u201cSempre fui muito dura, nunca dei muita margem. Como eu venho de outra gera\u00e7\u00e3o, sempre tive uma preocupa\u00e7\u00e3o grande de deixar muito claro que \u2018comigo n\u00e3o\u2019. Talvez hoje, quem chega n\u00e3o precisa ser t\u00e3o dura, as coisas s\u00e3o mais leves, tem mais mulher na \u00e1rea\u201d.
#uolbr_geraModulos('embed-lista','/2014/leia-mais-no-uol-esporte-ve-tv-1411016584827.vm')Preconceito contra mulheres
Para quem est\u00e1 come\u00e7ando a carreira, como a rep\u00f3rter Renata Millington, n\u00e3o h\u00e1 mais espa\u00e7o para preconceito. Aos 25 anos, ela come\u00e7ou a trabalhar como estagi\u00e1ria assim que a emissora foi inaugurada h\u00e1 quase tr\u00eas anos no Rio de Janeiro e hoje faz parte do time de rep\u00f3rteres.
\u201cAs mulheres est\u00e3o conquistando espa\u00e7o. J\u00e1 mudou essa ideia de que mulher n\u00e3o sabe nada, esse conceito est\u00e1 ficando ultrapassado. As mulheres est\u00e3o come\u00e7ando a fazer parte de mesas redondas\u201d.
Mas quem est\u00e1 h\u00e1 mais tempo na \u00e1rea sente que ainda existem resqu\u00edcios de machismo e um pensamento antigo de que mulher n\u00e3o entende de futebol. Eduarda cita um exemplo quando foi entrevistar um t\u00e9cnico do S\u00e3o Paulo.
\u201cN\u00e3o foi totalmente superado, ainda tem um pouquinho. Quando comecei, tinha um treinador do S\u00e3o Paulo que gostava de rebater perguntas, por eu ser mulher ou uma rep\u00f3rter nova. Ele gostava de testar conhecimento, eu fazia pergunta ele devolvia para ver at\u00e9 onde eu ia\u201d.
Se hoje as mulheres s\u00e3o mais respeitadas, Lara Mota lembra um epis\u00f3dio em que ficou constrangida alguns anos atr\u00e1s. \u201cEra bem dif\u00edcil, tinha muita piadinha. Aconteceu de eu estar no Morumbi para um jogo entre S\u00e3o Paulo e Fluminense. Eu passei na frente do t\u00fanel quando um jogador me puxou e me deu um beijo na m\u00e3o. Eu fiquei muito brava. Em que momento eu dei o direito de me cortejar? Eu estava trabalhando\u201d.
Homem entende mais de futebol?
Apesar de terem conquistado o espa\u00e7o e serem bem mais respeitadas hoje em dia, as rep\u00f3rteres do FOX Sports admitem que ficam em desvantagem em rela\u00e7\u00e3o aos homens por uma quest\u00e3o cultural. Na vis\u00e3o delas, o homem \u00e9 incentivado a gostar de futebol desde as primeiras brincadeiras de crian\u00e7a.
\u201cO homem tem uma cultura do futebol que a gente n\u00e3o tem, uma mem\u00f3ria afetiva. O menino \u00e9 pequeno e come\u00e7a a escalar o jogador, ele ganha \u00e1lbum de figurinha de futebol. A menina ganha o \u00e1lbum da Barbie. N\u00e3o acho que o homem saiba mais, mas ele vai se lembrar mais. Ent\u00e3o a mulher tem que estudar para correr atr\u00e1s, se informar e estudar a hist\u00f3ria do futebol\u201d, diz Daniela.
Eduarda concorda com a colega. \u201c\u00c9 inevit\u00e1vel o homem entender mais que a mulher. Para ele \u00e9 natural, eles jogam futebol desde pequeno, sabem as regras desde que nascem, lembram o dia do jogo, quem fez gol. Eles lembram como se fosse ontem um campeonato de dez anos atr\u00e1s. Eles j\u00e1 conhecem muito mais, estamos sempre atr\u00e1s, ent\u00e3o tem que dedicar muito. Bate at\u00e9 uma inseguran\u00e7a. A gente v\u00ea uns caras monstros com mem\u00f3rias absurdas, a gente tem que se virar\u201d.
Beleza p\u00f5e mesa?
Mas ser mulher tamb\u00e9m tem o lado bom. Renata Millington acredita que as mulheres s\u00e3o tratadas com muito mais gentileza no jornalismo esportivo. \u201cAs pessoas s\u00e3o muito mais simp\u00e1ticas comigo, especialmente treinadores,\u00a0 dirigentes. Qualquer pessoa que trabalha acaba te tratando com mais cautela e te responde com mais delicadeza. \u00c0s vezes fa\u00e7o uma pergunta polemica e dificilmente vou levar uma patada. Se fosse um homem, levaria\u201d, brinca.
Mas que beleza n\u00e3o p\u00f5e mesa \u00e9 uma unanimidade entre as meninas. Elas acreditam que o fato de serem bonitas pode ser um cart\u00e3o de visitas, especialmente pela import\u00e2ncia da imagem na televis\u00e3o, mas que ela n\u00e3o se sustenta sem compet\u00eancia.
\u201cNingu\u00e9m consegue entrevista porque \u00e9 bonita. O que conta \u00e9 o profissionalismo, a simpatia quando lida com as pessoas. N\u00e3o acho que ser bonita influencie muito, muito mais ser simp\u00e1tica. A beleza n\u00e3o \u00e9 suficiente, precisa de conte\u00fado, simpatia\u201d, completa Renata.
\u201cNunca me vi dessa forma, nunca contou muito. O curr\u00edculo e gostar de esporte, isso sempre contou muito mais. N\u00e3o entrei na Fox por causa disso, sei que podiam ter chamado meninas mais novas e bonitinhas porque era uma Copa. Queriam algu\u00e9m que desse conta do recado\u201d, diz Lara que j\u00e1 cobriu duas\u00a0Copas do Mundo, na \u00c1frica do Sul e no\u00a0Brasil, e uma\u00a0Copa das Confedera\u00e7\u00f5es na Alemanha.
Luiza Oliveira
Do UOL, em S\u00e3o Paulo
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