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Decifrando Neto: o que explica seu sucesso, das polêmicas ao "Curínthia"

Chico Silva

19/04/2019 04h01

Dias que antecedem a final de campeonato com clássico que envolve o time do coração. Parafraseando o velho Januário de Oliveira, histórico narrador da TVE Rio e TV Bandeirantes nos anos 80/90, é disso que José Ferreira Neto gosta. O mais bem sucedido dos ex-jogadores da telinha, é o único que comanda duas atrações na TV, um na aberta e outro na paga, está eufórico. E não apenas por ver um dos seus times do coração, o outro é o Guarani de Campinas, às portas do quarto tricampeonato dos seus 108 anos de história. Semana passada o Craque Neto, marca criada por Renato Nalesso, seu alter ego e diretor do Donos da Bola, provou que ainda tem muita força e influência com seus patrões na Band. Ao lado de Renata Fan, que pilota o Jogo Aberto, o eterno Xodó da Fiel conseguiu barrar a criação de um telejornal local diário que reduziria ainda mais o tempo do seu programa.

Caso a ideia fosse levada adiante, seria o segundo golpe que sofreria em pouco mais de um ano. Em março do ano passado, o Donos da Bola perdeu quase uma hora no ar com a chegada de Catia Fonseca com seu Melhor da Tarde. Então manter ao menos a duração atual do programa virou questão de honra para o ex-camisa 10. E assim como em 90, Neto levou. Foi uma vitória escorada nos três pontos de audiência média diária da atração, que garante à Band o quarto lugar geral no horário. Mas o que explica o sucesso de um ex-jogador tosco, que carrega no caipirês e que vive se metendo em polêmicas e confusões?

Justamente os pontos citados acima. Neto fala a língua do torcedor comum. Especialmente o do Corinthians. E o fato de ser ídolo da maior torcida do estado em que a audiência realmente importa contribui, e muito, para sua popularidade. Sabedor disso não tem problema nenhum em abrir mais espaço para o time do coração. E em vez de ignorá-lo, o que seria o mais lógico e sensato, os torcedores rivais o assistem para criticá-lo nas redes sociais a cada vez que defende seu clube do coração. Em entrevista ao No Ar com André Henning, Neto revelou que fala mais dos times que dão mais audiência, especialmente o seu "Curínthia". Coincidência ou não um dos comentaristas fixos do Baita Amigos é o jornalista Vítor Guedes, colunista do jornal Agora São Paulo e um dos poucos profissionais da imprensa que assume o time do coração, por "coincidência" o mesmo do ex-jogador. O maior rival do alvinegro também tem espaço cativo em seus programas, apesar de ser considerado persona non grata pela cúpula palmeirense. Há ordem expressa para nenhum jogador do clube conceder entrevistas ao ex-craque alvinegro. Apesar das rusgas, o ex-goleiro Veloso, ídolo do arquirrival, tem cadeira fixa no Donos da Bola e no Baita Amigos

Gosto pela polêmica

Se tem uma coisa de que Neto não foge é de uma polêmica. Gosta tanto quanto uma falta bem batida no ângulo, sua especialidade nos tempos de jogador. São históricas suas desavenças e atritos com dirigentes e jogadores que se tornaram seus desafetos. Uma deles foi "só" o maior nome da história do Palmeiras, o ex-goleiro Marcos. E essa teve até um componente externo. Marcos chegou a dizer que Neto o perseguia por ser amigo de outro ícone da mesma grandeza, o são-paulino Rogério Ceni. Há quem visse nisso uma estratégia de Neto para alavancar a audiência de seus programas. Seus mais novos alvos são o Flamengo e o técnico argentino Jorge Sampaoli. Neto não tem dado trégua ao clube rubro-negro desde o incêndio que matou dez garotos da base no Ninho do Urubu. Está inconformado com a postura dos cariocas, que na sua visão têm negado assistência e amparo às famílias das vítimas. A tragédia tem sido citada quase que diariamente na atração da Band e às segundas e sextas-feiras no Baita Amigos. Apesar de ser meio chato e repetitivo, Neto tem um papel relevante ao não tirar o assunto do noticiário. Famílias e o clube ainda estão longe de um acordo.

Amigo de muitos técnicos, vários de segundo e terceiro escalão do futebol paulista, Neto vem implicado bastante com Sampaoli, que fez do Santos o time com o futebol mais alegre e ofensivo desse início de ano no futebol brasileiro. Mas o estilo do argentino não tem empolgado o comentarista. Pelo contrário. A badalação em torno do ex-treinador de Chile e Argentina claramente o incomoda. No programa seguinte à eliminação do Santos nos pênaltis para o Corinthians no Paulista atacou o argentino. "Para mim ele é um perna de anão. Não sabe nada de bola. Tem Dorival Jr, o Lisca, Paulo Roberto (????), muito outros treinadores melhores que ele. Ele é muito nome para a imprensa. Não inventou nada", disparou.

Além de ironizar o 1,67m de Sampaoli, Neto repete a velha fórmula de proteger e privilegiar os amigos, algo que claramente o hermano não é. Quem assiste aos seus programas sabe que o primeiro critério para ser convidado e ser querido pelo apresentador. O segundo é ter jogado no Corinthians ou no Guarani, seus times do coração. Aí vem o resto. Isso explica o mar de desconhecidos ou ex-jogadores sem muito nome que ele leva ao ar. Mas isso carrega um aspecto filantrópico que revela uma das facetas do apresentador: sua generosidade. Neto é um dos que mais se preocupa com veteranos que não souberam guardar o dinheiro que ganharam em suas carreiras e hoje passam por dificuldades financeiras. Para ajuda-los, participa de jogos amistosos de másters do Corinthians nos quais a renda é revertida para esses ex-atletas. Um de seus patrocinadores, a Prevent Senior, oferece planos de saúde gratuitos para mais de 80 ex-jogadores. Ele, inclusive, é um deles.

Na trilha de Milton Neves

Por falar em publicidade, essa é uma das razões pelas quais os Saad costumam não entrar em divididas com uma de suas principais estrelas. Em sérias dificuldades financeiras, os donos da Band enxergam em Neto uma das salvações para o combalido caixa do grupo. E o ex-jogador sabe de sua importância para fechar as contas. Muitos dos anunciantes dos seus dois programas foram captados diretamente pelo ex-jogador. São os casos da citada Prevent Senior, plano de saúde especializado em atendimento à melhor idade, a fábrica de rações Magnun e bebidas Bioleve. E além do merchandising às empresas, Neto ainda dá de bônus citações para fornecedores delas, caso do Wil da Pet Shop do Teco de Itaquaquecetuba, a loja Rei dos Animas de Curitiba e Valter das Rações Gonçalves, todos lembrados por ele no Baita Amigos da última segunda-feira.

No aspecto comercial Neto parece ter seguido os conselhos daquele que foi o responsável por sua ida para TV: Milton Neves. O jornalista e apresentador ficou conhecido como o Rei do Merchan, tal o número de anunciantes que costuma trazer para as emissoras em que trabalha. Chegou até a criar uma agência de publicidade para captar e atender seus clientes. Neto ainda não chegou a tanto. Mas parece seguir o mesmo caminho. Além de ajudar a Band, cada publicidade engorda seus bolsos, pois fica com um percentual considerável de cada contrato assinado. Em alguns casos essa porcentagem chega a ultrapassar metade do valor pago pelo anunciante. Há um segmento que Neto poderia explorar: o de remédios ansiolíticos.  O apresentador é usuário deles e não esconde isso de ninguém. Costuma falar do tema abertamente em seus programas, como fez na última segunda-feira no Baita Amigos, ao mais uma vez dizer no ar que teve depressão e sofre de síndrome do pânico, ambas controladas com medicação tarja preta. Essa autenticidade está no DNA do sucesso de Neto. Goste-se ou não dele.

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