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Trajano critica "jornalismo engraçadinho" da TV e diz não ser viúvo da ESPN

UOL Esporte

24/02/2017 07h19

Divulgação/Esporte Interativo

Crítico do que é chamado por muitos de "jornalismo engraçadinho" em programas esportivos, inclusive da própria ESPN Brasil, José Trajano disse considerar esse um dos motivos que o levaram à demissão da emissora que ajudou a fundar. O comentarista deixou a ESPN em setembro do último ano.

"Pelo fato de ser criador de uma coisa, acaba, mesmo sem querer, dando uns palpitezinhos, e não era mais chefe. Eu dei entrevistas, falei num programa sobre a presença do Danilo Gentili e critiquei as brincadeiras exageradas, o humor pelo humor", declarou ao programa "No Ar" com André Henning, exibido pelo canal EI Maxx na noite desta quinta-feira (23).

Ele deixou claro ainda o que pensa sobre o assunto. E citou Tiago Leifert, ex-apresentador da edição paulista do Globo Esporte, atualmente a serviço do entretenimento da Rede Globo.

"Jornalista tem que botar na cabeça, principalmente jornalista esportivo que tá com uma mania de ser engraçadinho, que engraçadinho é outra coisa, isso é com o (humorista) Marcelo Adnet, é para o pessoal do (canal de vídeos) Porta dos Fundos. Com o advento desse negócio de stand up comedy, muita gente vai virar isso. Eu falei isso em relação ao Tiago Leifert. Quando começaram a encher muito a bola dele, falei: 'primeiro que não é o inventor da pólvora, apresentar de pé e sem script o João Carlos Albuquerque (da ESPN) já fazia isso, outros já fizeram e ele vai acabar no entretenimento, que é o caminho que ele tá rumando'. E foi o que aconteceu."

"Esses engraçadinhos – continuou – o sonho deles não é continuar no jornalismo esportivo, é ir para o entretenimento, é fazer show ali na rua Augusta, naquele teatro (de clube de comédia) e por aí", criticou.

"Então, tem a minha crítica à programação, a minha atuação política e um terceiro ponto: eles (na ESPN estavam) de saco cheio de mim, porque a minha presença, por mais que fosse pequena, no ar e na redação, segunda e sexta, chegada uma hora antes do programa (Linha de Passe), representava o 'Trajano ainda existe aqui, vamos fazer do nosso jeito, vamos eliminar esse cara da frente'. Foi uma traição nesse sentido de cortar o contrato, alegando contenção de despesa. Até parece que ganhava uma fortuna. Ganhava por participação. Segunda, que era o (programa) tradicional, poderia ficar e cortava o de sexta e ganharia metade", argumentou na atração do EI Maxx.

"Mas quero deixar claro o seguinte: eu não sou viúvo da ESPN, logo que acabou fiquei muito chateado, mas nem vejo mais, assisto aos jogos, do meu Arsenal. Tenho muitos amigos lá, torço por muita gente que tá lá. Uns 80% das pessoas que trabalham lá eu que levei, indiquei, que promovi. Muita gente começou a carreira comigo, gente que nunca tinha narrado na vida, tipo Rogério Vaughan. Paulo Andrade (principal narrador), que tirei de outro lugar, gente que era produtor e virou repórter. Respeito, gosto e torço por essas pessoas, quero que esse trabalho delas continue por muito tempo, mas eu não me preocupo mais com a ESPN. Tenho me preocupado com a minha vida", enfatizou o jornalista, que também deu seus pitacos sobre como vê as emissoras esportivas da TV fechada na atualidade.

"Importante é dar opções. Eu só acho que todos os canais tão muito parecidos, tem muito programa de debate, muita conversa e aquele jornalismo que eu gosto muito das matérias, das reportagens, tá ficando em segundo plano. Acho que se você estiver em um restaurante e olhando de longe, você não sabe se tá vendo a SporTV, ESPN, FOX ou Esporte Interativo na hora do almoço. A cara é a mesma. Tá todo mundo discutindo muito. Me aflige um pouco."

Confira outros assuntos abordados na entrevista de Trajano ao programa comandado pelo narrador André Henning

Puxa-sacos na imprensa que se incomodam com jornalismo crítico

"A imprensa sem teve bajuladores, gente puxa-saco, que achavam que tudo era muito bom e viam com maus olhos quem criticava muito. 'Ah, vocês são sempre do contra, nunca tão a favor de nada'. E é necessário ser crítico, sim. O futebol, como o brasileiro, merece críticas o tempo inteiro para tomar vergonha na cara. Depois da Copa de 2014, estamos em 2017 e nada mudou. Um coronel, lá do Pará, coronel Nunes, foi presidente da CBF. Olha que renovação, então estamos fritos, estamos muito mal nesse terreno de CBF, organização, calendário e tudo o que tem em volta."

Tatiquês

"Eu não gosto daquela discussão de futebol das duas linhas de quatro, isso me incomoda um pouco, que é a mania. Tudo bem, explica como o time joga, mas só isso (tática) não me agrada. Agora, há maneiras e maneiras, programas e não programas. Eu sou assim."

Criação da ESPN Brasil

"Era uma dificuldade primeiro convencer as pessoas a irem trabalhar lá, porque era um emprego muito precário, a TV a cabo no Brasil tinha poucos assinantes e ninguém sabia dizer o nome ESPN. Começou como TVA Esportes, uma parceria da (editora) Abril com a ESPN. Comprou os campeonatos Brasileiro, Copa do Brasil, Paulista, Carioca. Eu trabalha na TV Cultura, no Cartão Verde (mesa redonda) e o Júlio Bartolo, que foi designado pela Abril para levar o projeto adiante, ele tinha estudado comigo no (Colégio) São Bento. Ele via o Cartão Verde. 'Bom, o Trajano tá em televisão faz tempo, já foi editor de Esportes da Folha, tem experiência' e me chamou. Eu fui meio desconfiado e fui montando a equipe. Quem tava empregado não queria ir, e mesmo gente recém-desempregado ficava desconfiada em ir porque queria trabalhar em um lugar mais sólido. Achava que era uma aventura. 'Eu quero trabalhar na Globo, na Bandeirantes, na Record, no SBT'.

Mas um ano depois da TVA Esportes tava dando problema, porque a TVA entrava dentro da ESPN, que já existia no Brasil, com pouquíssimos assinantes, toda falada em inglês, e no meio de um jogo da NBA, de futebol americano, cortava (programação gringa) e botava Campeonato Carioca, Campeonato Paulista. E não tinha dois canais, então era um samba do crioulo doido. Os poucos assinantes ficaram irritados com esse negócio, mas fomos tocando assim.

Então se chegou à conclusão que assim não daria, então vai criar um canal próprio, ESPN Brasil. Eles me deram nove meses pra fazer. A Abril montou uma baita estrutura para montar um canal de notícias, no Sumaré, onde é hoje a ESPN, gastou uma grana preta, contratou pessoas e jamais colocou esse canal no ar. Com essa experiência fracassada, e ali (no mesmo local), eu falei: 'Gente, se a gente demorar a colocar o canal no ar, vai rodar, também'. Em vez de nove meses, em três meses botei no ar. Era uma vergonha, tinha um programa de ginástica horroroso vindo dos Estados Unidos, vai como pode, um avião sendo reabastecido no ar. Vamos fazendo e abastecendo no ar, e aos poucos montando equipe, criando programação.

A gente não tinha estúdio. Tinha que usar a MTV, que era ali pertinho, e tinha um outro estúdio que a gente alugava numa produtora para fazer um telejornal, que hoje é o SportsCenter. Na época era o 30 minutos. No sacrifício, com muita luta. Naquela época, no início, nós íamos para um jogo de futebol, Campeonato Paulista, no velho Parque Antártica. Escalado de narrador o Milton Leite (hoje no SporTV) ou Nivaldo Prieto (atualmente na Fox Sports), Luis Roberto (narrador hoje da Globo) depois, comentários era Antero Greco, eu. O (Paulo) Calçade (hoje comentarista da ESPN) era repórter. Casagrande (também hoje na Globo) começou lá, também.

Tinha a escala do narrador, comentarista, do repórter, produtor e não sei o quê, e do advogado, que ia com uma liminar, porque a SporTV dizia que nosso contrato não valia e aí ficava aquela disputa de liminares. E as equipes rosnavam umas para as outras. Tinha rivalidade, de quase sair no tapa. Mas com o tempo vários daqui foram pra lá, de lá pra cá, se tornaram amigos e ninguém mais brigava com ninguém. Além das transmissões, programas de abre o jogo e pré-jogo, comecei a criar uma linha de programas que não falavam necessariamente só sobre futebol ou do jogo em questão. Eu queria mostrar o Brasil a fundo. O que vocês fizeram no Nordeste, eu queria fazer a ESPN Nordeste, mas infelizmente não deu certo."

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