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Comentarista diz que deixou Sportv por não aceitar pedidos de "moderação"

UOL Esporte

20/05/2015 06h00

Alberto_Helena

"Vou te esperar na porta da pizzaria, com um cigarro em uma mão e um copo de uísque na outra". A frase escrita em um email de Alberto Helena Jr não deixava dúvidas do quão aberta e interessante seria a conversa, e a cena prevista por ele só não se concretizou porque cheguei antes. E lá veio Helena, fumando. Terminou o cigarro, entrou e nos sentamos no bar. Pediu seu primeiro Cutty Sark e começamos a falar.

O hoje comentarista da TV Gazeta falou com a calma e a fluência de sempre. Foi constantemente interrompido por um cliente que vinha perguntar de sua saída do Sportv. Nem precisou esperar a minha pergunta, e já deu para o cliente ao lado sua versão sobre o que aconteceu, em uma longa resposta.

"Saí de lá porque senti que não me queriam mais. Basicamente isso. Começou quando eu critiquei o Felipão várias vezes. Várias posturas dele. Acharam que eu estava exagerando e que não deveria fazer aquilo. A primeira bronca foi quando houve uma ligação falsa da Espanha. Um jornalista se fez passar pelo presidente Jesus Gil y Gil, do Atletico de Madrid. Ele perguntou se Diego Costa iria para a Copa. Se isso acontecesse, ele ganharia um bônus de US$  5 milhões", explicou.

"Felipão disse que o convocaria, mas que não precisava se preocupar com bônus. Resumindo, o que estava implícito era o seguinte: ele (Diego Costa) jogaria pela seleção antes da Copa e ficaria impossibilitado de jogar pela Espanha. E não jogaria a Copa e se economizaria o bônus. Eu denunciei que ele só queria enfraquecer a Espanha e prejudicar o garoto. Não gostaram e pediram comentários mais moderados. Depois, fiquei sabendo que estava fora da Copa", prosseguiu.

Helena conta que o clima com sua antiga empresa ficou ainda pior depois que foi advertido por um comentário durante um treino da seleção. "A segunda trombada foi quando me perguntaram se eu iria torcer para a seleção na Copa. Eu disse que não. Que ia torcer para quem joga bem, como sempre fiz na vida. Aí, segundo o UOL Esporte publicou, o Felipão ficou indignado com o que falei. Recebi nova advertência. Aí me encheu o saco e pedi emprego na Gazeta. Deu tudo certo e estou feliz", afirmou. O Sportv foi procurado pela reportagem, mas não deu posicionamento sobre as declarações do comentarista.

Helena falou também de sua carreira e de vivência em grandes momentos do futebol brasileiro. Irritou-se apenas quando falou de um velho companheiro de Jornal da Tarde.

"Roberto Avallone é um psicótico. Um fdp. Eu e o Moacyr Japiassu ensinamos o Avallone a escrever, letra por letra, porque era ruim para caralho. Impedi ele de ser demitido. Quando deixei a chefia de reportagem, indiquei ele, quando deixei a coluna Bola de Papel, indiquei ele, levei o cara para todo lado que eu ia: Record, Bandeirantes, levantei a carreira dele. Um dia, estávamos na Gazeta e ele pediu minha demissão para a chefia, sem motivo nenhum. É ou não é um fdp?", desabafou. Avallone respondeu às declarações de Helena em seu blog, dizendo que seu advogado está estudando o caso.

O tema Avallone passou, e a calma voltou. Entre um chope e outro, Helena falou sobre sua carreira e opinou sobre diversos temas do futebol brasileiro.

Seleção de 70 : "Havia uma divisão na esquerda. Torcer ou não para a seleção em época de ditadura militar. Mas o time era tão sedutor que logo todo mundo aderiu. Eu torci a favor desde o início. Como ficar contra um time daquele nível? É a seleção que mais bem representou a essência do futebol brasileiro. Era como Cartola, como Noel, como Paulinho da Viola. O outro time representativo dessa escola foi o de 82, mas não venceu. O de 58 também era bom, poderia ter chegado ao nível dos outros se Pelé e Garrincha estivessem em campo desde o início. Era o suprassumo da beleza. Tinha Jairzinho, Tostão e Pelé, três meias ofensivos. Tinha Gérson e Rivelino, dois meias clássicos. Rivellino tinha o drible curto e uma porrada nos pés. Era um típico meia ofensivo, mas seu pai não gostava que jogasse perto dos zagueiros porque batiam muito. Então, ele recuava. Para ser um grande meia clássico, faltava a constância de um Ademir, de um Zizinho e de um Gérson. Rivellino também era vagalume, não mantinha constância o tempo todo. Mas era um jogador espetacular e que fez uma Copa muito boa."

Estilo Guardiola: "O que define bem o time de 70 não é o esquema. É a precisão do passe. E do drible. É a essência do futebol. Passa, toca, desloca, repassa, recebe, dribla, busca um espaço, aparece a chance e faz o gol. Tem de fazer. Futebol sempre foi isso. E agora, veio Guardiola, que recuperou isso para o futebol. Essa maravilha. Tenho certeza que ele ouviu seu pai e seu avô falarem do futebol brasileiro. É uma tristeza imensa ver o Barcelona e o Bayern jogando o verdadeiro futebol brasileiro. Times que jogam bem tem o verdadeiro volante. Volante precisa defender, desarmar, tocar e avançar. Não existia volante brucutu. Em 58, Zito, que era volante, atacou e fez um gol de cabeça. Na final."

Zagallo : "Ele teve méritos na montagem do time, colocando Rivelino em lugar de Edu, como era com João Saldanha. Acho que ganharia do mesmo jeito. A defesa do time não era tão boa, seria muito melhor se Joel Camargo, do Santos, fosse o quarto-zagueiro. Zagallo gostava de centroavante fixo e queria Dario ou Roberto Miranda em lugar de Tostão. Ele gostava mesmo de Dario, não tinha nada a ver aquela história de que foi obrigado a obedecer uma indicação de Médici. Bobagem."

Golpe no Estadão : "Em 74, fui chefiar a equipe do Jornal da Tarde na Copa. O pessoal do Estadão ficava na nossa cola, copiava nossas matérias. E eu dei o troco. O Brasil dependia muito das cobranças de falta. Mandei os repórteres fazerem matérias desse tipo para os cobradores, para o preparador físico, qual o desgaste de bater muitas faltas, qual o melhor jeito etc. Os repórteres esquadrinharam tudo disso, velocidade do vento, chuteira etc. Juntei tudo e fiz uma matéria só, com varias retrancas. O Estadão fez tudo picado, solto, um pouco em cada página."

Pelé: "Comia todas as mulheres, ele e Carlos Alberto. Insaciável, um garanhão, um animal priáprico. Resolvia comer uma mulher e ia para cima. E às vezes era o contrário. A mulher chegava e perguntava: vai me comer ou não? O Tuca Pereira de Queiroz, meu querido amigo, era repórter. Era da noite, amigo de jogadores. Emprestava o fusca para Pelé comer a mulherada sem ninguém saber. Olha, Pelé tem muito pouco filho comparado com a sua atividade sexual na época."

Arrogância em 74: "A seleção se preparou muito mal. Ficou 45 dias isolada na Floresta Negra. Era um frio total, os jogadores se lesionavam, treinavam pouco, duas horas por dia, e iam engordando. Não sabiam nada da Holanda. Mandaram Paulo Amaral, um homem de pouca sensibilidade futebolística ver Holanda x Uruguai. Foi um massacre. Pedro Rocha dizia que um trem havia passado pro cima. Foi o 2 a 0 mais barato da história. Paulo Amaral foi observar e veio com uma folha cheia de anotações. Pedimos para explicar e ele disse: tem um 14, centroavante, que não é centroavante, um 15 que é meia e não é meia. Não entendi porra nenhuma. Perguntamos para o Zagallo como a Holanda jogava e ele disse que era com tamanco. Um dia, bati papo com Cruyff em um hotel em São Paulo. Ele disse 'se vocês fizessem o primeiro gol perdido pelo Jair ou pelo Caju, a gente ia desmoronar. Seria muito para nós'. Ou seja, se tivesse treinado sério e conhecesse o adversário, o Brasil teria chances."

Cláudio Coutinho: "O homem mais inteligente que o futebol brasileiro produziu, fora e dentro de campo. Sempre foi primeiro aluno em tudo. Estuda em livros, lançou novidades como overlapping etc. Como utilizava os nomes em inglês, como nos livros, era ridicularizado. Na véspera da Copa de 78, tinha dúvidas entre Falcão, Chicão e Batista. Precisava cortar um e estava preocupado com os gramados da Copa, que estariam muito pesados. Ele pediu que o colocasse em contato com Rubens Minelli e Mario Travaglini, para trocar ideias. Minelli não queria. Era tricampeão brasileiro e tinha mágoa por não ser o treinador. Mas eu o convenci e houve a reunião. Minelli tinha dirigido Falcão e Batista no Inter e Chicão no São Paulo. De vez em quando, os dois falavam em italiano, ironizando Coutinho. Terminada a conversa, Coutinho olhou para nós três e disse que em pouco tempo falaria italiano melhor que nós três. Na Copa, ele deu entrevistas em um italiano perfeito, olhando direto para minha cara."

Dispensa de Falcão: "Depois da conversa, Coutinho dispensou Falcão e ficou com os outros dois. O motivo foi o campo pesado, mas havia mais coisa por trás. Durante as Eliminatórias, o Inter tinha cinco jogadores convocados. Poucos jogavam. E Falcão disse a uma rádio gaúcha que preferia ser dispensado para ajudar o Inter. Perguntaram sobre isso a Coutinho e ele disse que não acreditava nessa frase de Falcão. Quando ouviu a gravação, suspendeu a coletiva e foi falar com Falcão. Falcão negou a entrevista, mas Coutinho mostrou a gravação. Então, ele confirmou. Coutinho perguntou se ele jogava em lugar de Rivellino. Falcão disse que sim. Perguntou se jogava em lugar de Zico. Falcão disse que sim. Coutinho escalou Falcão em lugar de Zico, que estava machucado. Jogou muito mal. Falcão não era meia, era volante. Um bom volante, mas não era meia.

Felipão: "O Tite me explicou outro dia que o Sul tem duas vertentes de treinador. O do capitão Carlos Froner, de muita marcação, e outra do Enio Andrade, de boa marcação, mas que privilegia o jogo. Felipão é discípulo do capitão. Fez mal para o futebol. É marca, marca, marca. Ganhou em 2002 marcando muito e apostando em três gênios na frente. É muito pobre. É muito pouco. E ainda como respeitar quem elogia o Pinochet? Em 2014, contrariou seus dogmas e resolveu atacar. E se deu mal. Ele queria reunir a imprensa em torno da seleção e nunca foi assim. Imprensa do Brasil nunca se uniu em torno da seleção. Sempre foi crítica."

Lazzaroni: "Foi demitido da comissão técnica de Cláudio Coutinho. Um sujeito que não entendia nada. Em 90, ele veio com um 3-5-2 ultrapassado. Na Copa anterior, a Dinamarca fez um 3-5-2 em 86 com um meia como zagueiro, um meia de formação. Ele saía para armar o jogo. Como Beckenbauer. Com Lazzaroni, embora os zagueiros fossem de qualidade, não tinham saída. Não havia habilidade e saída de bola."

Dunga: "Está indo muito bem. Colocou gente boa para jogar e não está apenas se defendendo. Vamos esperar, mas o início é promissor."

Galvão Bueno: "É o maior narrador da história da Fórmula 1. Impecável. Único. No futebol, eu era fã de Mario Moraes, que também era grande comentarista de rádio."

Rogério Ceni: "Bate na bola muito bem, o maior goleiro artilheiro do mundo. Mas não é um goleiro como Gilmar, por exemplo. Um sujeito frio, que sabia responder a uma falha recente. Tinha colocação, reflexo e elasticidade. Eu estava escrevendo um livro sobre ele, mas desisti. Nada com ele, foi comigo mesmo. Perdi o tesão."

A pizza acabou e a conversa também. Helena recebe mais cumprimentos e pedidos para que tenha cuidados na viagem para Ibiúna. É lá que vive, sozinho, em uma chácara. Nunca dorme antes das quatro, nunca acorda antes do meio-dia. "É minha caverna, fico lá, ouço muita música, leio muitos livros, estou relendo No caminho de Swann, de Proust. E vejo futebol. Todos os jogos que posso, todos que passam. Nunca perco jogo do Barcelona ou do Bayern. É uma tristeza muito grande ver o futebol brasileiro praticado por outros países. Mas é uma alegria também, porque pelo menos esse tipo de jogo voltou. Graças a Guardiola".

Luis Augusto Simon
Do UOL, em São Paulo

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