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Após morte de lutador, canal da Globosat cria exigência e perde eventos

UOL Esporte

12/04/2014 06h00

Maurício Dehò
Do UOL, em São Paulo

O canal Combate, da Globosat, é há 12 anos a única referência quando se fala em transmissões de MMA, com o domínio do mercado e a parceria com os maiores eventos do país. Mas, desde que tomou a decisão de exigir em seus novos contratos a filiação junto à Comissão Atlética Brasileira de MMA – a mesma que regulamenta o UFC no país – e o cumprimento de seus regulamentos, o cenário mudou. A medida vem causando êxodo de organizações, impasse com os dois carros-chefe da casa e o canal já vê um aumento na concorrência de outros veículos interessados em investir nas artes marcias mistas.

Segundo o blog apurou, a morte do lutador Leandro Feijão no dia da pesagem de sua luta no Shooto 43, em setembro de 2013, aumentou a preocupação do canal em ampliar as medidas de segurança dos eventos que transmite, algo que já vinha sendo discutido, mas que ganhou um impacto maior com o incidente. A solução foi firmar uma parceria com uma confederação ou comissão que regulamentasse as organizações e implementasse um protocolo mínimo de segurança. Já parceira do UFC, principal atração do canal, a CABMMA foi a escolha óbvia para isso.

O problema é que impor aos eventos a filiação à comissão esbarra em disputas políticas e discussões financeiras. Como as leis brasileiras permitem a criação de diversas confederações para uma modalidade, e os promotores já tem seus acordos firmados com suas respectivas entidades parceiras, a exigência de que se unam à CABMMA vira um entrave na mesa de negociação.

Juntar-se à entidade acaba gerando procedimentos obrigatórios e gastos com filiação e principalmente com exames médicos exigidos neste protocolo mínimo de segurança. Eles são alvo de reclamação por parte de eventos como o Wocs. A parceria com o canal Combate foi encerrada após seis anos, o evento migrou e já estreou no Esporte Interativo.

Otávio Duarte, um dos organizadores do Wocs, explica que os exames exigidos pela CABMMA podem custar até R$ 3 mil. "Nós até corremos atrás, fizemos uma parceria com a secretaria de saúde para os exames, que custam quase R$ 3 mil. Não somos contra a atenção à saúde dos lutadores, mas os caras são de comunidades carentes. Muitos não têm condição de bancar a filiação, já que são R$ 150 reais do lutador e mais R$ 100 de cada corner, quanto mais exames."

"Mas a decisão da nossa saída culminou, na verdade, no impasse em relação à parte amadora do nosso evento, já que nossos preliminares têm lutas amadoras. A CABMMA se achou no direito a intervir nisso. Já tínhamos sido procurados pelo Esporte Interativo, então resolvemos ir por outro caminho. Fazemos tudo o que é correto, como a Comissão queria, mas em outro lugar", adicionou Duarte.

O Coliseu Extreme Fight é outro exemplo de evento que preferiu outra via, apostando que não é necessário estar no canal Combate para ter seu evento visto. A opção também foi pelo Esporte Interativo. O evento alagoano já considerava a mudança por pensar que merecia maior atenção às suas promoções. Ao ouvir as novas exigências do Combate, confirmou sua saída do canal – neste caso, a exigência que causou problemas foi a dos árbitros que servem ao Coliseu também terem de se filiar à comissão, o que não os interessava.

Carros-chefe, Shooto e Jungle não aceitam exigência

O problema para o Combate não é com o Wocs e o Coliseu, torneios de média expressão, mas sim com seus maiores eventos em nível nacional. Tanto o Jungle Fight, liderado por Wallid Ismail, quanto o Shooto, comandado por Dedé Pederneiras, não tem qualquer intenção de trabalhar com a Comissão Atlética Brasileira de MMA. Como o canal só pode exigir a filiação na negociação de novos contratos e ambos ainda estão com longos acordos pendentes, o debate ficou para um segundo momento, mas o cenário é desfavorável.

Wallid é duro ao falar do tema. "O Combate não tem como – nem eticamente – querer regulamentar o esporte. Ele já é regulamentado por cada liga. A Lei Pelé dá poderes para se abrir confederações e ligas. Tanto que fui o primeiro evento a pedir exames iguais à Comissão Atlética de Nevada", diz o empresário e ex-lutador. "O Combate sabe disso, eles não tem como exigir do Jungle… Nós somos os líderes de audiência. Isso agora vai abrir uma concorrência animal (com outros veículos)."

Concorrência pelo MMA

  • Com o aumento na qualidade e no número de eventos, o espaço para a transmissão de MMA nacional cresceu e a concorrência ficou mais acirrada. Bom para o telespectador, que tem cada vez mais opções, mesmo que um fim de semana não tenha o mais tradicional UFC . Hoje a concorrência ao Combate cresceu com o êxodo de eventos nacionais. O Esporte Interativo saiu na frente e também há a opção de serem transmitidos por sites especializados em MMA e grandes portais. No âmbito internacional, o Esporte Interativo mostra o World Series of Fighting e o Bellator, o Fox Sports atualmente transmite também o Bellator – estes são os dois grandes concorrentes do UFC – e a RedeTV, o XFC. Pelos canais Globo, o Combate transmite a todos os UFCs na íntegra. Globo e SporTV têm algumas programações ao ano, sendo que a Rede Globo passa ao vivo apenas eventos realizados no Brasil, enquanto os internacionais são exibidos em VTs com ao menos 30 minutos de atraso.

Para Wallid, a questão com a comissão é política. "No meu ponto de vista, a CABMMA tinha de permitir que os eventos tenham uma voz ali dentro, votem. Acho engraçado quem não é do esporte cair de paraquedas querendo mandar. Não vai acontecer. Só se fizerem uma coisa democrática", critica ele, sobre a comissão.

O Shooto Brasil, por outro lado, prefere não comentar as diferenças com a Comissão. O evento se diz regulamentado pela Shooto Comission – entidade da matriz do Shooto, no Japão – e pela Confederação Brasileira de MMA e afirma que, como ainda tem três anos de contrato com o Combate sem a previsão de ter que se filiar à CABMMA, não vai alterar seus procedimentos.

Combate e CABMMA explicam parceria e exigências

O blog consultou tanto a Comissão Atlética Brasileira de MMA quanto o canal Combate sobre a medida implantada este ano. Segundo a emissora, a opção pela CABMMA diz respeito não só a aspectos de segurança e saúde dos atletas, mas a questões de arbitragem, regulamento e resultados.

"Com a chancela da Comissão, os eventos se desvinculam completamente de questões relativas à arbitragem e resultado das lutas, pesagem, padrões de segurança e integridade física dos atletas, entre outras coisas", afirmou o canal, em nota. O Combate alega que apenas "sugere" a filiação à CABMMA.

Rafael Favetti, presidente da CABMMA, defende que a entidade é "diferente" das outras confederações. E ataca o amadorismo de alguns eventos.

"A legitimidade da CABMMA vem da nossa independência. Um evento que tenha a nossa chancela sabe que terá uma auditoria independente. A CABMMA não gerencia atleta, não organiza evento. E nós temos a completa noção do que iria acontecer. É um caminho natural os eventos amadores se sentirem ameaçados pela Comissão. Nós sabíamos que o tempo da profissionalização iria chegar e iria deixar muita gente descontente", afirma ele.

"Creio que o canal Combate entendeu que o momento é de profissionalização no esporte. Não há mais espaço para eventos extremamente amadores, que expõe atletas a riscos. Chega. É hora de colocar a saúde dos atletas de MMA como prioridade. O promotor que não aceita está colocando um baita de um pretexto para expor a saúde dos atletas. Um pretexto para não investir nos atletas e embolsar o dinheiro. O promotor de eventos que fala isso, que às vezes ganha milhares de reais com patrocínios públicos e privados e não quer investir a mais na saúde com um protocolo, só pensa no bolso dele", acusa Favetti, advogado e ex- secretário executivo do Ministério da Justiça.

Sobre as críticas, principalmente quanto à exigência da cara bateria de exames imposta aos eventos, a CABMMA afirma que a intenção é de que as organizações arquem com os custos, e não os lutadores.

"Acreditamos que os eventos e empresários dos atletas não devem encarar apenas como custos, mas sim como investimento", afirma o canal Combate. "O que é mais caro, um exame que resguarda a saúde do atleta e vale por três anos ou algo que comprometa a vida do lutador? É uma ação que visa manter a integridade dos atletas, dos eventos e profissionalizar o esporte. É o modelo usado por todas as principais organizações em países de primeiro mundo, um investimento em qualidade e segurança em prol do crescimento, profissionalização e regulamentação do MMA no Brasil, inclusive sob os olhos de quem critica a modalidade. Uma entidade que regulamenta o esporte chega, inclusive, para dar maior credibilidade aos eventos."

Um dos eventos que aceitou se filiar à CABMMA foi o Fatality Arena. "O Fatality Arena arcou com os exames e os eventos têm que fazer o mesmo. Há duas opções, ou se paga melhor o atleta, ou se arca com as despesas. Pode-se ainda fazer parceria com algum grande hospital em troca de propaganda", afirma o organizador Diogo Tavares.

Outra crítica feita à CABMMA é em relação a uma suposta falta de contrapartida para os atletas, frente aos gastos que se tem com ela: comissões atléticas norte-americanas exigem seguro de saúde para os lutadores e garantem que os competidores receberão suas bolsas, fazendo com que as organizações depositem previamente os valores estipulados. Nos dois casos, a comissão afirma que não tem amparo legal para fazer tais exigências. Sobre a taxa de filiação, Favetti afirma que o valor se refere ao que é gasto pela Comissão para que se levante e comprove oficialmente o cartel dos lutadores – que muitas vezes apresentam dados duvidosos.

"Há promotores que fazem eventos há dez, 20 anos e nunca se preocuparam com essas questões. Mas assina quem quer, se não quer, que pelo menos respeite um protocolo mínimo de segurança. Nossas brigas políticas não são com promotores, mas sim com quem quer acabar com o esporte no Brasil. Pessoas como o deputado José Mentor", conclui o presidente da CABMMA, citando o político que em 2009 criou um projeto para banir o MMA da TV aberta.

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