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Trajano conta causos e diz não ser culpado por abandono de Amigão ao vivo

UOL Esporte

03/12/2013 06h00

(Foto: Divulgação)

José Trajano tem 67 anos, sendo 50 destinados ao jornalismo. Quase 20 na televisão, a maior parte na ESPN. Ao longo destes anos, se envolveu em polêmicas, casos engraçados e tem histórias para contar.

Em um de seus mais famosos casos curiosos na televisão, Trajano, quando era diretor na emissora, viu o apresentador Paulo Soares, o "Amigão", deixar a bancada do programa Linha de Passe ao se irritar supostamente com o 'chefe'.

Durante entrevista ao UOL Esporte, José Trajano se defendeu e disse que "carrega uma cruz" por algo que não fez. Segundo ele, a irritação de Paulo Soares não era com ele, mas sim com Juca Kfouri, que também participava da bancada do programa.

"O Amigão (Paulo Soares) deixou o programa ao vivo e acham que foi por minha causa. Não foi. Ele foi embora por causa do Juca e do PVC (Paulo Vinicius Coelho). Como ele tinha feito o roteiro, queria seguir. E eu tentei ajudar ele a seguir. Como ele saiu enquanto eu falava, acham que a culpa é minha. Não é porra nenhuma", afirmou Trajano, durante um papo de quase 45 minutos.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

UOL Esporte: Como você define sua carreira no jornalismo?

José Trajano: Esse ano faço 50 anos de profissão. Comecei em 63, com 16 anos. Fui um cara de jornal, no Rio e em São Paulo, algumas revistas, e entrei na televisão atrás das câmeras, quando fui trabalhar na Globo. Depois fui para a Bandeirantes. Até então, nunca tinha aparecido na TV. Até que nos anos 90, já na Cultura, a emissora comprou os direitos do Campeonato Alemão, e eu comentava os jogos. Era uma transmissão diferenciada, com super-câmeras. E ali tudo começou.

UOL Esporte: Nessa época você começou no Cartão Verde…

José Trajano: Já estava próximo da Copa de 94, estávamos chegando em 93, quando o Laerte, presidente da Cultura, resolveu fazer o Cartão Verde. Me chamaram e eu fui para o programa. Luis Alberto Volpe, Armando Nogueira e eu. O Volpe era um dos maiores 'offs' do Brasil. Mas ficava nervoso em frente às câmeras. Depois de dois programas, entrou o Flavio Prado. O Armando saiu e entrou o Juca Kfouri. Era no domingo a noite, programa obrigatório para quem curtia futebol. Naquela época a internet não tinha força. E nós éramos referência. Ficamos no ar algum tempo e o programa começou a ser visto por muita gente. Tinha muito mais audiência que hoje. Aliás, até hoje me confundem na rua, perguntam sobre o Cartão Verde… Marcou, sabe? E eu comecei a virar um cara de vídeo.

UOL Esporte: E a ida para a ESPN? Aliás, por que saiu da direção da ESPN?

José Trajano:Por me ver no Cartão Verde, um velho amigo, que estudo comigo e já tinha trabalhado comigo, me levou para a ESPN. Ele não era de esporte, eu estava ficando conhecido… A ESPN existia precariamente, com poucos assinantes, até que comprou o direito de vários campeonatos. E aí criamos a ESPN Brasil. Fiquei como funcionário número um, diretor e comentarista. Fiz de tudo, comandei a ESPN, contratei gente, formei gente, fiz amigos, inimigos, chorei, sofri. Até que não aguentei mais. Deu o que tinha que dar. Estava sem paciência, abri mão. Chamei a direção e falei que estava na hora de eu parar de ser diretor. Indiquei o João Palomino, que tem muito tempo de casa, é bem quisto. E fiz acordo para ficar como comentarista e no Pontapé Inicial.

UOL Esporte: Quais os momentos marcantes da sua carreira?

José Trajano: Nesses 18 anos de ESPN aconteceu de tudo. Enfrentamentos com concorrentes, gratas surpresas que revelei, grandes momentos… É uma história de vida. A gente brigava muito com a Sportv, verbalmente e na justiça. Eles proibiam a gente de transmitir jogos, tinha que ir para o estádio com advogado, com liminar. Esses momentos foram muito tensos nos primeiros anos do canal. Aquilo passou, não tem sentido. Um rosnava para o outro, faltava pouco para sair na mão. Você se planejava para fazer e não podia fazer.
Eu tinha muito problema, mas com o tempo isso foi acabando. A concorrência ficou de outro jeito. Nos primórdios da TV a cabo, havia conflito. Hoje todo mundo é concorrente, mas não existe mais essa coisa. Pelo contrário. Hoje tem até uma boa vontade maior entre os canais. Existem os mais poderosos da Globo, com mais influencia, mas é normal. Naquela época tinha arrogância. Hoje é mais amigável.

UOL Esporte: E a maior tristeza?

José Trajano: A maior tristeza foi a morte de um companheiro nosso, que eu tinha levado para lá, o Ives Tavares. Já tinha trabalhado na Globo, SBT, era muito querido por todos. Tinha a paciência que eu não tinha para alguns assuntos, conhecia muito bem a TV. E morreu do dia para a noite. Perder um amigo é sempre o momento mais triste. E esse momento me marcou. Esse é o pior momento no sentindo humano.

UOL Esporte: Você é visto por muitas pessoas com mal-humorado na TV. Recebe muitas críticas por isso?

José Trajano: Recebia bastante. Era aquele ame-o ou deixe-o. Recebia "ah, você é grosseiro, filho da p…, mal-educado, só porque é chefe maltrata todo mundo". Tem uma história famosa sobre isso, aliás. Eu carrego a cruz por algo que não fiz. O Amigão (Paulo Soares) deixou o programa ao vivo e acham que foi por minha causa. Não foi. Ele foi embora por causa do Juca e do PVC (Paulo Vinicius Coelho). Como ele tinha feito o roteiro, queria seguir. E eu tentei ajudar ele a seguir. Como ele saiu enquanto eu falava, acham que a culpa é minha. Não é p… nenhuma. Eu via a cara dele, vi que estava p…, e tentei salvar. Foi uma das situações mais curiosas, mas desagradável, porque sobrou para mim. E me cutucaram para mandar ele embora. Foi um ato extremo, tem um lado que se eu fosse diferente, mandava embora. Apresentador vai embora e larga na mão, eu podia mandar embora. Se fosse outra pessoa, mandava embora.
Como também no caso do Flávio Gomes, quando foi demitido. Cometeu um deslize, saiu, mas não fui eu que mandei embora. Já foi a diretoria nova. Nego me critica porque acha que fui eu.

UOL Esporte: Você se considera uma pessoa mal-humorada?

José Trajano: De modo geral não ando tão mal-humorado. E quem me conhece sabe que não sou assim. Sou indignado, e as pessoas não sabem separar as coisas. O indignado pode ficar mal humorado, se revolta, não se conforma com essa gentalha da CBF, com dirigentes do futebol brasileiro. Eu me indignava com o Ricardo Teixeira. Antigamente eu ficava mais mal-humorado. Agora aprendi a ver que algumas pessoas provoca, instiga para eu ficar p…, tipo armadilha. Várias vezes eu cai nessa, respondi dando esporro. Agora é difícil cair nessa. Eu ficava p… com injustiça.

UOL Esporte: Você falou da situação mais triste e mais curiosa na TV. E a mais engraçada?

José Trajano: Essa é boa, foi cômica. Foi na Cultura, quando estávamos começando a transmitir o Campeonato Alemão. Era segunda rodada ainda. Arranjaram um cara da embaixada alemã, que não entendia p… nenhuma de futebol, e estava ali só para traduzir. Lá pelos 20 minutos de jogo, entram correndo no estúdio, dizendo que não erada nada daquilo que estávamos falando. Resumindo: a gente tinha trocado os times. Estávamos narrando e comentando tudo errado. Peguei o microfone e falei: "a Cultura inovou trazendo um campeonato desconhecido, e toda novidade traz uma dificuldade. E como você está vendo, falamos tudo ao contrário". Pedi perdão e pronto. Hoje em dia isso não acontece, os sites trazem as escalações, perfil dos jogadores, tudo detalhado.

VOTE: QUAL O MELHOR APRESENTADOR ESPORTIVO DO BRASIL?

UOL Esporte: Algumas vezes você já deu entrevistas criticando o Galvão Bueno. Por que? Você assiste a Globo?

José Trajano: Eu assisto sim. O negócio com o Galvão é o seguinte: ele é um excelente narrador, tem conhecimento de vários esportes, é preparado. Mas ele é narrador da Globo. E narrador principal. Então, vira poderoso, passa a ser a voz do Brasil. Tudo que fala causa repercussão enorme. E ele, como é muito patriota, induz você a gostar ou não do jogador. É muito ufanista. Tecnicamente ele é perfeito. Mas eu critico esse lado ufanista. Tenho dúvidas de tudo.
Recentemente, vi um narrador português, na classificação da seleção para a Copa, xingando todo mundo. O vídeo é espetacular. Mas conversando com os meus filhos, falamos: "E se fosse o Galvão?" Por Portugal ser um país pequeno, que vive problema econômico, tem outro sentido. O Brasil é pentacampeão. Parando para pensar: a gente acharia engraçado? Ou criticaria? Sinceramente não sei.

UOL Esporte: Você trabalharia em outra emissora a não ser a ESPN?

José Trajano: É difícil falar isso. É que eu comecei na ESPN, construí a ESPN. Minha relação não é só profissional. Tem um laço afetivo muito grande. Deixei de ser chefe e demorei a me acostumar com isso. Fui chefe muito tempo na vida, por temperamento, por ser líder. Na ESPN comecei do zero. É difícil sair. Mas sei lá, não posso prever o futuro. Meu contrato é até depois da Copa, e um dia acaba. Não sou mais tão jovem assim e a vida apresenta surpresas. Mas sou muito ligado à ESPN, tem gente que acha que sou dono de lá.

UOL Esporte: Acha que está chegando a hora de deixar a TV?

José Trajano: Pode estar perto. Se a TV não me quiser mais… Estou com 67 anos, estou na estrada há muito tempo. Não sou filho de pai rico, construí meus compromissos, tenho um padrão que gostaria de manter da melhor maneira quando parar. E para isso precisa entrar dinheiro. Muitas vezes eu penso nisso. Mas no momento não quero pensar nisso. Vamos deixar acabar a Copa.

UOL Esporte: Você acredita que quando se aposentar deixará um legado à TV?

José Trajano: Esse negócio de legado ficou deteriorado. O maior legado que posso deixar é me orgulhar que a ESPN é o que é hoje. Não tenho culpa de ter criado a ESPN. Muita gente talentosa está lá hoje, profissionais excelentes, e isso vai ficar por muitos anos. Teve vez que fechamos o ano nos despedindo, nos abraçando, achando que o canal ia acabar, dado o 'miseré' que estava., a falta de dinheiro. Hoje isso não existe mais, o faturamento cresceu, o número de assinantes cresceu, de profissionais cresceu. Então eu deixo um legado, que é a ESPN.

UOL Esporte: Desde que deixou a direção da ESPN, o que você costuma fazer no seu tempo livre?

José Trajano: Tenho tido mais tempo para mim… Faço ginástica, leio, mas não tenho tanto tempo livre assim. Vou de segunda à sexta de manhã na TV, sou curador de um projeto que adoro, que é o Memória Olímpica, que passa na ESPN, e tem o Caravana do Esporte, que é um projeto social que fazemos há oito anos, e anda Brasil afora levando ex-atletas, esportistas, professores de Educação Física, em locais que não têm espaços esportivos. Quer dizer, tenho muita coisa para me preocupar, me orgulhar.

Luiz Paulo Montes
Do UOL, em São Paulo

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